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quinta-feira, 28 de junho de 2012

Presuntos Éticos

por Laura Sequeira

A questão ética por de trás da morte dos animais não humanos para consumo ou experiências laboratoriais está agora em cartaz. Enquanto humanos sensíveis e conscientes, não ficamos indiferentes à brutal violência das imagens que toma conta de redes sociais, televisões e cartazes, onde, gratuitamente, se mostra interiores de matadouros de animais não humanos – de agora em diante, animais – e aqueles que aí ‘vivem’.

Para não nos confundirmos em termos linguísticos, quero esclarecer do que falo quando me refiro a ‘vida’. Viver será interpretado, neste texto, como pleno e livre uso das capacidades que, à partida, um ser terá. Por exemplo, se estivermos a falar de um porco sem uma perna porque sofre de um problema de crescimento ósseo genético, o Quim, então andar com três pernas será usufruir plenamente de todas as suas capacidades no que toca à locomoção. Por outro lado, um porco ao qual foi removida uma perna para um estudo acerca de porcos com três pernas, o Alberto, e  tiver que andar desta forma durante o resto da sua vida, já não está a usufruir de todas as capacidades - dado que a remoção da perna não era necessária para a sua sobrevivência ou para o seu bem estar físico e/ou emocional. Leigamente, estamos a ‘usar’ o Alberto.

Mas por que razão consideramos errado matar animais para comer ou para experiências em laboratórios? A resposta esta questão está no facto de reconhecermos os animais como seres que sentem dor e prazer – daqui para a frente, sencientes. Com isto quero dizer que reconhecemos que, da mesma forma que nós sentimos, os animais também sentem. Como a sensação de dor não nos sabe bem, então deduzimos que aos animais também não saberá; é também por esta razão que ficamos tão chocados quando vemos animais a ser cortados ao meio e a sangrar. Ou acaso ficamos enojados quando uma fábrica de reciclagem esmaga os pedaços de plástico?

Para além da discussão que se gera à volta da senciência animal, há ainda a intenção por trás do acto de matar. Por que razão temos autoridade sobre os animais e eles se devem subjugar a nós? Se supusermos que a nossa condição de ser humano é superior à condição de ser Quim ou Alberto, então deveríamos proteger aqueles que também sentem, mas não têm forma de se defender. Porque se se argumentar a favor da posição contrária, terá que se explicar por que razão não matamos um deficiente que tem possibilidade de ter qualidade de vida ou, em analogia, um Quim de três pernas.

Quanto à alimentação, esse argumento destrói-se a partir do momento em que temos a confirmação de que não são necessárias proteínas animais para o nosso desenvolvimento. Assim, onde é que está o sentido da matança de Quins e Albertos para a alimentação de Anas, Pedros e Rosálias?

Agora pretendo fazer um exercício mental: qual seria a nossa posição se os animais fossem anestesiados antes da morte, de forma a que esta fosse indolor e sem stresse? Perante isto, voltamos a cair na questão da intenção. É só porque dói que não matamos outros humanos? Não. É porque nos reconhecemos neles. Desse reconhecimento de paridade, veio a criminalização da morte humana. Sem se compreender por que razão não veio com ela, a criminalização da morte animal.

Assim, ao longo deste texto, não encontrámos razões válidas para continuar a matar animais e a, consequentemente, comê-los. As suas mortes são inúteis, tal como é inútil continuarmos de olhos fechados, fingindo-nos éticos ao clicar em ‘partilhar’ um Alberto no Facebook e a comê-lo ao jantar.
Que tal uma sandezinha de presunto?

Sugiro a visualização do filme Earthlings, cujo trailer deixo abaixo:


5 comentários:

  1. "Por que razão temos autoridade sobre os animais e eles se devem subjugar a nós?"

    A mera intenção de fazer esta pergunta encerra em si um retrocesso civilizacional incomensurável.

    "É só porque dói que não matamos outros humanos? Não. É porque nos reconhecemos neles. Desse reconhecimento de paridade, veio a criminalização da morte humana. Sem se compreender por que razão não veio com ela, a criminalização da morte animal."

    Aqui tenta fazer-se equivaler a morte humana à animal. E quem serei eu para impedir que outrém se reconheça na mais primária das bestas? Mais ajunto: criminalizada devia ser esta prosa.

    "Assim, ao longo deste texto, não encontrámos razões válidas para continuar a matar animais e a, consequentemente, comê-los."

    Este "consequentemente" é tão ortodoxo como a posição oficial da igreja católica sobre o acto sexual: só para procriar. É a negação artificial daquilo que a autora entrevê, espreitando de esguelha por entre os recessos da sua má consciência, como facto incontornável e universal da existência humana: o gosto circunstancial, directo ou indirecto, de dar morte a bicharada. Negar tal coisa é enjeitar-se em natureza, vestindo-se com as cores da aberração. Assim se fazem os tolhidos mentais que vêm um funeral em cada presunto.
    Um requiem por eles, um reco por mim.

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  2. Olá, Cão de Sinope.
    Obrigada pelo seu comentário.

    A maioria das perguntas colocadas neste texto são aquelas mais vezes feitas por outros. Como é claro, embora subentendido, se leu o resto do texto, a resposta à pergunta é uma defesa da igualdade entre o homem e o animal. NO CASO DE não se considerar logo à partida essa mesma igualdade, avanço com a suposição de sermos superiores a eles. Atenção, suposição. E dada essa mesma, o argumento para os matar continua a ser inválido.
    Concordo consigo quando a 'pergunta encerra um retrocesso civilizacional incomensurável'. Infelizmente, ainda vive presente.

    Quanto à equivalência entre homens e bestas, sim, é o que defendo, que a morte humana tem a mesma importância que a morte animal em determinadas circunstâncias, sendo que a produção desnecessária de carne para consumo é uma delas.

    Acerca da sua última intervenção: não merece comentário, pois claro. Toda ela está justificada no resto do texto. ;-)

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  3. Cara Laura, adorei o texto e achei-o extremamente bem elaborado e equilibrado. Apresentaste os teus argumentos com justificações válidas e bem corroboradas, e recorreste a contra-exemplos e questões muito interessantes.

    No entanto, receio que terei de discordar da tua mensagem global, e eis-me porquê: A justificação principal para a criminalização da morte de animais vem do "reconhecimento de paridade".

    Ora, mas será esse argumento assim tão válido? Não te soa talvez um pouco egocêntrico e egoísta? Parafraseando, é visto como "Como os animais são parecidos aos homens, merecem viver". Como se a semelhança a nós fosse o indicador do direito à vida.

    É que esta visão pode ser facilmente reinterpretada e categorizada. Primeiro, quais os critérios de semelhança que se deveriam exigir? Como tu própria disseste, prazer e dor não são viáveis, porque não é por a morte ser indolor ou a uma pessoa que não é capaz de sentir de prazer que ela deixa de ser imoral e ilegal.

    Aliás, o "sentir dor", além de não me parecer viável, é igualmente aplicável às plantas, pois vários estudos têm demonstrado que existem reações por parte das plantas facilmente interpretáveis como dor: http://www.guardian.co.uk/notesandqueries/query/0,,-83446,00.html

    Logo, se não matamos animais para os comer e matamos plantas em vez disso, o que torna a morte das plantas menos imoral e inaceitável do que a dos animais?

    Ora, compreendo que a mais rápida resposta a este comentário seria "Então e o direito humano à vida, que argumento o justifica?" Pessoalmente, eu vejo o direito humano à vida como uma questão de necessidade, como um elemento essencial para uma vivência em sociedade e uma interação saudável entre todos. Eu não vejo o direito humano à vida como uma moralidade transcendente, mas como algo que criámos para que consigamos funcionar melhor em sociedade (visto que os elementos funcionais da sociedade global são os humanos).

    Enfim, peço desculpa pelo extenso comentário, mas confesso que este tema me cativa imenso, e gosto sempre de ler opiniões contrárias à minha, para as apreender e analisar melhor a minha posição neste assunto, especialmente se estiverem tão bem elaboradas e defendidas como neste texto. ;)

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  4. Note-se que a Laura se presta muito a arrumar as coisas numa penada, definitivamente, sem apresentar as permissas que sustentam tamanha jactância.

    Por exemplo: "E dada essa mesma, o argumento para os matar continua a ser inválido."

    Ora, tal invalidez de juízos não é demonstrada em nenhum ponto do seu texto. É tudo interpretativo, não existe qualquer exercício silogístico que a autorize arrumar a questão dessa forma. E mesmo que o tentasse estribar no seu carácter inútil, lembro-lhe que somente os animais silvestres se conduzem exclusivamente sob o toque do bordão da necessidade e da utilidade de propósitos. Tal é contrário ao modo humano. A Laura também não precisa de beber leite em adulta, usar brincos, ler livros, andar de carro, ir à escola, ter velevisão, beber álcool, fumar, etc. É precisamente o elemento prescindível à existência animal que define o bicho-homem. E com esta lá se vai a "lógica da utilidade", o "silogismo da necessidade"... Pelo contráro, se desejar comer carne, faz todo sentido que mate o seu portador, porque dificilmente se deixará esquartejar, ou assar vivo.
    A Laura provelmente não saberá isto, mas para a esmagadora maioria dos humanos, a carne e o peixe são raras fontes de proteína. Daí a matança ser uma festa tradicional. Na nossa cultura, gostamos de relembrar. Mesmo após a massificação dos meios produtivos no ocidente, a grande parte dos seres humanos cá do planeta mal tem acesso a fontes regulares de proteína. Ou água potável. Vá lá dizer a um desgraçado no Darfour que é inútil matar o porco que se lhe coloque à frente, por exemplo, e que coma antes seitã num restaurante vegetariano... Essas, cara Laura, são ideias paridas pela alienação suburbana de certa classe média-alta.
    A argumentação moral, assente na nivelização dos patamares existenciais do Homem e dos animais, é pífia. Torno a dizer: cada um sabe de si, mas pouca ética pode existir em quem considere coisas semelhantes matar um porco ou uma pessoa. Se a Laura não lhe topa a diferença, os seus pais falharam-lhe na educação. Esta ordem de ideias revela mais deprezo pela vida humana do que amor aos bichos. É perigoso sentir e sinal dos tempos; estes em que se despejam os pais e avós em asilos, por nojo da senil degradação, mas se apanha a merda e limpa o cu a um caniche, sem que a menor perturbação nos tolha o semblante...
    Finalmente, do que a Laura defende no seu texto, depreendo que considere um comedor de presunto, ou a minha bisavó que matava anualmente um porco, equivalentes morais ao estripador de Chelas. Porque, se a vida humana equivale à do porco, são todos assassinos.

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  5. A Laura sustenta que o Homem é igual aos animais?
    Receio que tenha carradas de razão, querida. Mas oxalá mais ninguém saiba...
    - Severina

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