por Rui Filipe
Antes de começar aqui a disparatar, que é o mais
provável, gostaria só de agradecer à pessoa que teve a bondade, e a enorme
coragem, de me convidar a escrever neste blogue (dando assim a possibilidade de
alguém descobrir em mim um talento secreto, que eu não consigo).
Como me vejo a escrever pela
primeira vez aqui, decidi pegar num herói de banda desenhada, neste caso o
Batman, de forma a tratar um tema ligeiro bom para começar aqui as minhas
participações - a loucura (o titulo já tinha estragado a surpresa).
Na verdade, quando se trata um tema a partir de
um herói deste formato, é preciso fazer só uma pequena observação prévia. O
Batman, mesmo sendo um daqueles símbolos da pop-culture
que toda a gente sabe mais ou menos quem é, no entanto, tem a
característica de ninguém saber realmente como ele é. Isto dá-se não tanto por
um problema interno do próprio personagem, mas antes porque os heróis deste
género podem ser trabalhados de formas diversas pelos autores que neles pegam. Existe
certamente um conjunto de elementos comuns, mas já a forma como estes são
elaborados muda de autor para autor, dando assim um gostinho muito especial a
este género que defendo ser também literatura.
Seja como for, o Batman de nenhuma forma foge a
esta regra, até aos dias de hoje já foi tratado de inúmeras maneiras, porém, na
década de 80, deu-se algo de singular. Até então a ideia de uma homem que se
vestia de morcego, tal como seria de esperar, era tomada de ânimo leve. As
histórias eram no mínimo apalhaçadas e o seu propósito não ia muito além de
fornecer um ligeiro entretenimento a quem pegasse nelas. Mas então surge no
tempo referido uma reviravolta que se pode sintetizar com esta pergunta – O que
está implicado no facto de alguém cair num extremo tal como é visto nestas
bandas desenhadas? Isto abriu um campo gigantesco de possibilidades: o papel e,
acima de tudo, as características da mente do herói. A análise desta última
trouxe uma conclusão arrepiante – este herói não está completamente são, existe
um trauma na sua vida que o danificou a tal ponto que ele se tornou numa
quiméria incapaz de uma vida normal.
Esta última ideia, que teve um começo subtil,
chegou à sua melhor forma no conto sublime de Grant Morrison - Arkham Asylum: A serious house on a serious
earth. Em vez de ver-mos a imagem apolónia do herói ou, no mínimo, o
apalhaçado senhor que se veste de morcego, temos uma macabra sombra negra na
qual habita um homem que é incapaz de se libertar desse exterior, uma “fortaleza de carne que não consegue sair
duma postura defensiva” segundo a descrição do autor. Mas esta
caracterização não se fica por aqui, devido a uma insurreição no manicómio o
“herói” em causa vê-se forçado a entrar numa viagem onde, ao ser confrontado
pela loucura dos seus inimigos, lentamente se apercebe do quão semelhante ele é
deles, ou que então que ele, tal como uma doença, é um factor de insanidade
naqueles que o rodeiam.
Não, não é o Lex Luthor, é mesmo o autor, Grant Morrison |
Como contraponto de toda esta narrativa temos a
história paralela da ascensão à loucura do criador do próprio manicómio - um
homem no qual a loucura é como que uma herança deixada por uma mãe num estado
senil. É nesta segunda narração que toda a história vai buscar a sua riqueza e
se compreende o próprio empreendimento do herói.
É aqui que se encontra a
expressão do conflito sempre presente que habita em todos os homens – o mundo
luminoso da razão contra a noite da irracionalidade. E, para surpresa nossa,
apercebemo-nos que este conflicto não tem um lado preferível. O mundo da noite
não é o do aleatório e do sem porquê, esta por si mesma comporta um nova
vivência incapaz de ser conhecida por todos aqueles que vivem na pequena prisão
da sanidade. É só quando esta última se quebra no eterno confronto que
conseguimos aceder à simbologia e à lógica da irazão.
[texto editado a pedido do autor]
Sem comentários:
Enviar um comentário