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terça-feira, 30 de outubro de 2012

Na perda, também se dança. Halcyon de Ellie Goulding

por João Xará


Lançou o álbum Lights em Fevereiro de 2010, mas a canção com o mesmo nome só se tornou num êxito massivo nos Estados Unidos em Agosto de 2012. No rescaldo das luzes que se acendem agora para alguns, Halcyon, o seu mais recente álbum, torna-se absolutamente necessário. Ellie Goulding, a menina da electrónica aposta na voz e na luxúria maquínica.


Inspirado no medo do escuro que tinha em criança, o tema Lights nasceu numa melodia synthpop que assenta numa linha estimulante de bateria e baixo. A canção teve um longo período de gestação e é quando a britânica se prepara para lançar o segundo álbum que ela grita ao mundo. Talvez por isso, Ellie Goulding a tenha adoptado em Halcyon como faixa-bónus.




A voz vulnerável e melancólica de Goulding atraiu a atenção do público por não seguir a fórmula associada ao protótipo da grande voz que incendeia as pistas de dança. Pelo contrário, ela assume-se como frágil como um sopro, que a qualquer momento parece quebrar, mas não o faz.

Halcyon é assumidamente mais pop que o anterior Lights e nota-se uma maior confiança em Goulding enquanto vocalista (o seu espectro vocal parece não ter limites). Se no primeiro trabalho a voz estava entrelaçada ao ritmo indiepop, aqui desprende-se dele. Não foi ao acaso que Ellie Goulding escolheu Don’t Say a Word para início do álbum. Aguça-se a curiosidade de quem ouve pela primeira vez a voz nua e desmaterializada, o tema é um convite que se aceita porque o desconhecido tenta e pode valer a pena.


Anything Could Happen é o single de avanço de Halcyon e a canção que sobressai num hino experimental e esperançoso que contrasta com o registo lírico amargo e de perda de todo o álbum. O refrão com o London Community Ghospel Choir antecede uma batida açucarada que explode ao som dos agudos da compositora. After the war we said we'd fight together/ I guess we thought that's what humans do Goulding esquece este verso e pensa no porvir.


Figure 8 é a concretização da obsessão que a cantora tem pela musica pop. Com um refrão catchy (You promise forever every day /Then you take it all away)e um agressivo dubstep dentro de uma produção colossal que ainda junta a harmonia da harpa, violino e uma estridente mas insaciável guitarra eléctrica perto do fim.


I Know You Care arranca ao som de um coro que transpira ao Rabbits on the Run de Vanessa Carlton e foi co-escrita por Justin Parker, co-autor de Video Games de Lana Del Rey. Despida apenas no piano, o tema é um dos grandes momentos de Halcyon e tem possivelmente a sua melhor letra. Oh, but I know you care /I know it is always been there/As if there was trouble ahead, and you knew it /I'll be saving myself from the ruin. A música escolhida como banda-sonora do próximo drama de Dakota Fanning poderá ser sobre o pai de Goulding que a cantora não vê desde os seus cinco anos.


Hanging On tem uma sonoridade mística e novamente, experimental. Os falsetes da britânica alcançam a pureza de Björk numa produção exótica e arrojada a lembrar Marina and the Diamonds. Ellie Goulding reintroduz o dubstep e revoluciona a canção que pertence aos Active Child. Atlantis apresenta-se no mesmo registo mas mais etérea ao som da pergunta Where did you go? em clara referência à terra mais bonita que para sempre desapareceu.


JOY é uma balada declarada por um piano que toma a vanguarda e mostra um tom ríspido e intimista. É um testemunho de que afinal a felicidade não está em caír nos braços de alguém. A revelação de uma lição para Ellie e a confirmação de um talento para quem a escuta. Destaque ainda para as faixas My Blood (a lembrar Florence and the Machine) e Only You.

Halcyon foi gravado em Herefordshire em Inglaterra onde cresceu. Ellie Goulding juntou-se ao seu já partner & crime, Jim Eliot (Ladyhawke) e criou um álbum cujos temas se afogam em amores e perdas. O segundo disco foca-se de forma muito mais profunda nos vocais de Goulding e desmistifica a ideia que a música electrónica não pode ser vulnerável, apesar da produção que muitos poderão considerar excessiva.


Escutam-se vários e potenciais êxitos que poderão ser retirados de Halcyon e outros em que muitos teriam a tentação de moldar os refrões, mas a verdade é que é a concepção experimental que tanto fascina este trabalho. Halcyon é uma viagem ao mundo do synthpop que ocorre sem percalços e a prova de que a luz de Goulding não é ocasional.

Muitos poderão apontar um desvirtuamento da cantora pela canção bónus I Need Your Love com Calvin Harris (We Found Love de Rihanna) que recorda o europop dos anos 90, mas a produção brilhante e estilizada não tem de ser incompatível com a fragilidade. Ellie Goulding só tomou a fraqueza humana e experienciou-as numa épica e luxuosa combustão. Quem perde, também dança.

4 comentários:

  1. Parabéns pela excelente crítica (a melhor que li até agora)! Vinda de alguém que verdadeiramente se atentou para os detalhes do álbum. Não consigo parar de ouvir Halcyon desde o lançamento!

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  2. Obrigado Cezar! O álbum surpreendeu-me de uma forma que não esperava e o sentimento de constante replay da playlist de Halcyon é recíproco.

    Em nome do blogue id est agradeço a apreciação. Obter feedback do nosso trabalho é sempre positivo.

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  3. A crítica está impecável!
    Eu vi/ouvi o álbum Halcyon da mesma forma que você. Algumas pessoas acham estranho essa sonoridade e até reclamam comigo (como você consegue ouvir isso?), mas a pura verdade é que com o passar do tempo, os nossos ouvidos realmente conseguem ficar mais aguçados, e se tivermos o objetivo de aprender mais sobre "o que é música, o que são acordes, instrumentos, melodias...", conseguimos identificar e diferenciar uma música "trabalhosa" de uma música "farofa".

    Ellie Goulding fez para mim, o melhor álbum do ano de 2012, não só pela qualidade sonora, pela qualidade impressa em cada faixa, pelas impecáveis notas vocais que ela atinge, pelo "batida viciante", mas também pelas letras incríveis e o mais importante, o álbum EMOCIONA, e EMOCIONA MUITO porque ela consegue sentir isso ao cantar, e a voz dela demonstra isso!

    HALCYON!!!

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    Respostas
    1. Muito obrigado, Eric! Halcyon até é um excelente disco para introduzir pessoas que geralmente nunca entraram neste género musical.

      O faro de que falas vem precisamente desse interesse de aguçar o ouvido. Há técnica e tempo investidos neste trabalho,sem dúvida.

      Também o considero como um dos melhores do ano.

      Obrigado mais uma vez e podes continuar a visitar-nos aqui ou na página do facebook.

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