Blogue de divulgação cultural, escrito por 28 pessoas. Um texto por dia, todos os dias.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Um beco sem saída

por Luís Abrantes

Beethoven possuía uma capacidade de desenvolvimento de temas musicais nunca antes vista. Id est, após a secção expositiva de uma obra onde se apresentam os temas iniciais segue-se a secção de desenvolvimento onde os temas são alterados/apresentados de uma forma diferente de modo a manter o interesse do ouvinte. Beethoven compõe o primeiro andamento de uma das suas mais conhecidas sinfonias sobre um pequeníssimo tema (talvez o mais conhecido da história da música ocidental).

Em 1814 (cerca de 10 anos após a apresentação da sinfonia Eroica, que causou controvérsia), Ludwig atinge o auge da sua popularidade. Ironicamente o seu estilo de composição volta a alterar-se e no final da sua vida compõe praticamente só para si (ex: Grande Fuga).

Tal coisa não acontecia 20 ou 30 anos antes. De facto tornou-se comum compositores do séc. XIX estarem constantemente um, dois, três (…) passos à frente de quem ouvia as suas obras. Vinte anos depois da morte de Beethoven (que fez a música dar uma salto em frente) já Berlioz havia escrito o seu Tratado sobre Instrumentação e Orquestração e Chopin composto a primeira peça com características atonais (Prelúdio para piano nº2).

Na segunda metade do séc. XIX surge uma segunda vaga de compositores românticos onde se incluem Liszt, Brahms, Wagner e posteriormente Mahler e Richard Strauss. Wagner continua a desenvolver o sistema tonal e Mahler e Strauss vão esgotar o resto das possibilidades. Brahms cria uma nova técnica de desenvolvimento que consiste na criação de novos temas a partir dos motivos (partes) que constituem os temas em si. As secções de desenvolvimento passam a ser expositivas também uma vez que surgem novos temas mas que resultam de temas já antes ouvidos. Esta técnica permitia evitar repetições musicais, apresentar sempre material novo e portanto manter a originalidade (algo que se torna cada vez mais difícil). Liszt compõe a primeira peça atonal da história (mal aceite por Wagner que comenta à esposa que o seu velho amigo endoideceu).

Apesar destes avanços enormes é Arnold Schönberg quem vai entrar verdadeiramente no atonalismo. As suas primeiras grandes obras são de carácter romântico tardio (Noite Transfigurada, 1899) e de grande ambiguidade tonal (é difícil sentir o tom de repouso).

Começa-se a tornar obsessivo, nesta fase da história da música, a não repetição musical. Schönberg diz: “Comigo, a variação substitui quase completamente a repetição”. Este compositor considera que resulta de uma longa linha de compositores alemães (Bach, Mozart, Beethoven, Brahms e Wagner) e que, tal como eles, deve construir sobre o passado para criar algo nunca antes ouvido, algo digno de o imortalizar. A sua música (e a dos seus contemporâneos) está repleta de dissonâncias prolongadas, de imenso cromatismo e modulações inesperadas que diminuem a influência da tónica (tom de repouso) fazendo com que nem faça muito sentido ouvi-la no final da peça. Para além disso tornava-se difícil de, sem repetir algo já ouvido, terminar uma frase musical de forma convincente na tónica.

Estas ambiguidades levaram Schönberg ao que chamava “a emancipação da dissonância” – libertar a dissonância da necessidade de resolver numa consonância e fazer com que qualquer combinação de sons fosse um acorde estável. Uma vez aceite esta ideia, o atonalismo tornou-se inevitável – era a única forma de continuar a fazer música completamente nova. Schönberg apenas executou o que o princípio da não-repetição ordenava – uma constante originalidade.

Sem comentários:

Enviar um comentário