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segunda-feira, 2 de julho de 2012

Pena de Morte (ou:Doce, Doce Vingança)

por Lostio

Ah, a pena de morte, um outro tema que reflecte uma nova reinterpretação sobre o suposto intocável direito humano à vida, e de que modo o poder governamental deverá, e poderá, influenciar o quão “intocável” este direito realmente é.

É verdade que, em Portugal, a pena de morte foi abolida. No entanto, ainda existem vários países onde esta constitui uma válida forma de punição, e penso que os argumentos que se opõem a ela e a apoiam são de algum interesse para análise.

Primeiro, vamos ao básico: “pessoas que cometeram crimes verdadeiramente cruéis e desumanos merecem morrer”. A minha principal queixa perante este argumento é a perigosamente ambígua afirmação de “merecer morrer”. Ora, desde o início, definimos como um dos essenciais direitos humanos o direito à vida. A partir do momento que decidimos reinterpretar isto e moldá-lo, entramos numa área perigosa. O que torna alguém merecedor de algo tão cruel e devastador como a morte? Segundo as opiniões mais comuns, são os que cometem crimes de tal maneira horríveis que, por si, também violam este direito: assassinos em massa e violações de crianças são frequentemente os enunciados.

Eu compreendo que o espírito de fúria e a raiva dominem as pessoas, mas não nos podemos deixar controlar por este lado emocional. Mesmo que os crimes sejam verdadeiramente horríveis, matar os criminosos não irá desfazer os seus crimes nem irá fazer ressuscitar as suas vítimas. Os danos, depois de estarem feitos, não irão desaparecer com a vida do criminoso. De nada servirá tal acto excepto para a satisfação pessoal e o prazer individual de quem se sentiu repugnado com o crime. A pena de morte é, essencialmente, matar por prazer porque não traz qualquer tipo de benefício. Trata-se portanto de uma forma de vingança! A legalização da pena da morte significa que, governamentalmente, o conceito de vingança é aceitável! A partir do momento em que a própria Lei aprova a vingança, isto influencia de um modo muito negativo a mente do cidadão comum, que passa a acreditar que não faz mal matar alguém se essa pessoa o merece. E isto de “merecer morrer” pode facilmente ser reinterpretado, e apela a um possível tipo de declive escorregadio.

Na minha opinião, o principal problema da pena de morte é que é impossível de se desfazer, o que traz repercussões desagradáveis. É algo de extremista, e, a meu ver, é muito mais humano e moral dar ao criminoso alguma oportunidade de se redimir, algo evidentemente impossível depois de ele estar morto. As pessoas contentam-se em apelidá-los como “monstros desumanos”, esquecendo-se da mais correcta designação de “seres humanos que cometeram um erro terrível”.

Por mais impressionantes que alguns actos de terror possam ser, não nos devemos esquecer de que, por mais horrível que uma pessoa possa parecer pelo que fez, continua a ser uma pessoa. Continua a ter sentimentos, sensações e valores. Simplesmente deixou-se levar pelos pensamentos incorrectos, deixou-se influenciar por sentimentos errados, e fez algo que não devia. Em vez de excluir e repudiar o criminoso, atirando-o para uma categorização injusta de “monstro”, a acção mais correcta seria apelar ao seu lado humano, tentar compreendê-lo e fazê-lo ver que errou.

Obviamente que se torna necessário garantir que actos criminosos, especialmente os mais cruéis, sejam evitados. Daí a importância de saber bem que acções se devem tomar quanto a estes, e como os castigar. A lógica do castigo através da morte é um pouco falaciosa, porque não estamos verdadeiramente a castigar o criminoso, estamos simplesmente a retirá-lo do nosso mundo para a conveniência interesseira de que pelo menos essa pessoa já não nos trará mais problemas.

Assim, penso que um tratamento mais correcto e justo seria a popular sentença de vida em cadeia, juntamente com algum tipo de trabalho forçado. Por um lado, traz maiores benefícios, porque o trabalho forçado constitui um modo de o criminoso contribuir positivamente para a sociedade, e é simultaneamente uma forma de castigo. Aqueles que cometeram os crimes mais assustadores, com que as pessoas se revoltam mais, poderiam mesmo ser acompanhados por algum tipo de apoio psicológico de modo a tentar perceber o criminoso e ajudá-lo a ver que errou.

Há que abandonar os conceitos de justiça através de violência, revolta, vingança e morte. Se o próprio Governo apoia estas ideologias, que influência não terá isto nos valores morais dos cidadãos que nascem e são criados segundo elas? Se nós nos dedicarmos a uma justiça através da compreensão, perdão, fornecendo a cada um uma oportunidade para remediar os seus erros, estou certo que a crueldade e vileza dos crimes mais terríveis será mais facilmente evitada, porque a gente recebe na mesma moeda com que paga.

4 comentários:

  1. Ah, o bom Talião e o bom Drácon! Aquilo é que eram legisladores sólidos. A bem dixer, quase eternos. Agora é uma legislorreia tão inconsequente como efémera. E cacográfica.

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    1. Caro Anónimo,

      Agradeço o seu comentário deliciosamente pungente e a sua contribuição para a discussão. Eis a minha refutação para ele:

      É uma coisa aplicar castigos e procedimentos que punem os criminosos como consequência dos seus actos, é outra coisa matá-los. O acto de matar não constitui um castigo, é um facilitismo que permite ao Governo não ter de se preocupar com este criminoso, pois ele deixa de existir.

      Trabalho forçado, tempo em solitária, métodos que obrigam o criminoso a realizar algo que não queira, e que o obrigue a ver o erro das suas acções enquanto este contribui para a sociedade de modo a se redimir, são formas de castigo muito mais pró-ativas e muito menos covardes.

      Livrarmo-nos do "lixo" é o caminho fácil. A reutilização e reciclagem que permita tornar o criminoso num cidadão contribuidor e funcional da sociedade é o caminho difícil, mas mais humano e correto.

      Obrigado novamente, espero ver mais dos seus comentários! ;)

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  2. Vá lá de dizer aos pais das crianças que Marc Dutroux violou, torturou e enterrou vivas no próprio quintal, que devem fornecer-lhe "a oportunidade para remediar os seus erros", munidos da compreensão (??) e perdão. Que o ajudem a ver que errou, que isso não se faz; o sodomizarem-se as criancinhas, chaciná-las e sepultá-las vivas debaixo do grelhador. Que se lhe preste apoio psicológico, porque isto do crime em série quando mete petizes, parecendo que não, deixa o prevaricador um pouco abananado, chegando alguns a verter lágrima no recesso da cela. Entenda-se o criminoso - sinal da cruz! - que alguma lhe hão-de ter feito! Todos sabemos como pode ser a canalhada, quando se decide em meneios e provocações... E como é madrasta a sociedade, útero primevo de todo e qualquer facínora!

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    1. Caro Cão de Sinope,

      Antes de mais, gostaria de lhe agradecer pelo comentário e pela sua activa participação nesta discussão. Segue-se então a minha resposta à sua aliciante provocação:

      A descrição de tom irónico que caracteriza o seu texto tem, como base primordial, o lado emocional associado à reacção perante os crimes cometidos. É natural ficar repugnado, revoltado e dominado por sentimentos de fúria, raiva e confusão perante actos tão viciosos como os de Marc Dutroux.

      No entanto, tal como pretendi reforçar no meu texto, agir segundo esses impulsos emocionais não será talvez o modo mais racional de agir. Isto porque a pena de morte não irá ser uma solução, não irá desfazer os crimes, não trará qualquer tipo de compensação fisicamente mensurável além da distorcida sensação de prazer e gozo em ver morrer alguém que, supostamente, o merece. As crianças não irão ressuscitar com a morte de Marc Dutroux, nem irá a família sentir-se mais ou menos incompleta devido à sua ausência.

      Eu não vejo a Lei como um meio para satisfazer as vívidas emoções que vêm com o choque associado a este tipo de crimes viciosos. Eu vejo as decisões governamentais como algo que pretende alcançar o objectivo de permitir um bom funcionamento da sociedade, dando a todos os seus elementos iguais possibilidades e hipóteses para serem cidadãos respeitáveis e cumpridores.

      No entanto, caso tal não aconteça, eliminamos os elementos inconvenientes da plebe? Por mais cliché que possa parecer, a verdade é que isso realmente nos reduz ao "seu nível". Cedemos às emoções e sentimentos, ao nosso lado animalesco, e ignoramos a inutilidade deste acto.

      É difícil de aceitar em vários casos, porque o nosso lado emotivo não desaparece, mas uma Lei tem de ser mais do que algo que satisfaz caprichos, tem de ser um elemento superior que permita manter a ordem e paz. E obter paz com uma punição por morte é algo simplesmente impossível.

      Mais uma vez, muito obrigado pelo seu comentário! Espero que continue a participar neste e outros artigos.

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