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sexta-feira, 12 de abril de 2013

Em que estado está o Estado de Direito?

por João Freire

Da análise critica e objectiva que se faz à legislação laboral portuguesa, constata-se que a mesma é altamente flexível e tendencialmente pouco restritiva, com excepção apenas do regime do despedimento individual com justa causa em que, de facto, o ordenamento jurídico português é um pouco mais apertado do que na generalidade dos outros países. Inúmeros são os argumentos e os aspectos que podem contribuir para a fundamentação desta afirmação. Diversos estudos colocam Portugal e a Coreia no ranking dos países menos regulados e com menos protecção social e laboral, decorrente da inefectividade prática das leis laborais e da quase total inoperância das instituições judiciais face a situações que obviamente, atendendo aos princípios fundamentais de um estado de direito dito democrático, deveriam, impor àquelas, os maiores níveis de rigor, proactividade, ética, eficácia e eficiência.

A reduzida restrição e protecção da legislação laboral portuguesa, resultantes da liberalizada e descontrolada flexibilidade laboral, responsável pela reprodução das mais diversas formas de precaridade laboral e social, facilmente se encontra presente no total incumprimento do Nº2 do Artigo 12º do actual Código do Trabalho relativamente à Presunção do Contrato de Trabalho que refere que “constitui contra ordenação muito grave imputável ao empregador a prestação de actividade, por forma aparentemente autónoma, em condições características do contrato de trabalho que possa causar prejuízo ao trabalhador ou ao estado”. Daqui decorre que o trabalhador/a, cujo vínculo, inquestionavelmente precário, e que consiste num contrato de prestação de serviços, ou generalizadamente denominado como recibos verdes vê-se privado não só da sua retribuição base mas também do valor indexado às indeminizações em caso de despedimento, vendo dificultado o seu acesso ao subsídio de desemprego ou a qualquer outro benefício ou forma de protecção social.


Outro exemplo elucidativo da excessiva flexibilidade do Ordenamento Jus Laboral Português incide na total alienação das instituições judiciais Portuguesas relativamente à violação do Artigo 13ª da Constituição da República Portuguesa relativamente ao Princípio da Igualdade, e do Número 1 do Artigo 31º do CT sobre a Igualdade de Condições de Trabalho que prevê que “os trabalhadores/as têm direito à igualdade de condições de trabalho, em particular quanto à retribuição, devendo os elementos que a determinam não conter qualquer discriminação fundada no sexo”.

Verifica-se contudo, no tecido empresarial, em particular nas grandes empresas comportamentos de descriminação e de diferenciação que têm como alvo as mulheres, em que estas, em igualdade de circunstâncias, ou seja a exercer os mesmos cargos, as mesmas funções, com o mesmo grau de responsabilidade e autonomia, auferem uma retribuição/compensação expressamente mais baixas do que aquelas que são atribuídas aos indivíduos do sexo masculino. Do ponto de vista legal é inefectiva a verificação, o controlo ou a fiscalização deste tipo de práticas que inequivocamente contribuem não só para a reprodução das desigualdades de género mas também para a reprodução da ainda tendente deficiência cultural fortemente predominante na nossa sociedade, responsável por contribuir para a legitimação prática da subordinação e da subserviência da mulher em relação ao homem.

Por outro lado, a ideia de rigidez acentuada, de inflexibilidade das leis laborais parece esvaziar-se por completo no que concerne à utilização/uso de meios tecnológicos de vigilância à distância nos locais de trabalho. Analisando uma vez mais o actual CT, verifica-se que o nº1 do Artigo 20º relativamente aos Meios de Vigilância à distância aparentemente proíbe o empregador de não poder “utilizar meios de vigilância à distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador”. Na realidade, os meios de vigilância à distância constituem uma poderosíssima ferramenta de controlo, de total intrusão e invasão da privacidade dos trabalhadores/as, manifestada através da vigilância quase microscópica das acções, comportamentos, práticas, atitudes, gestos e movimentações dos mesmos, fornecendo ao empregador um manancial de informações ameaçadoras e intimidatórias com o fim de coagir, pressionar e intimidar os trabalhadores/as para a aceitação inelutável do modo de funcionamento, dos objectivos das normas e da cultura da empresa, sob pena de despedimento ou de transferência para outro local de trabalho.


Na realidade, a flexibilidade da legislação laboral, caracterizada essencialmente pelos baixos níveis de protecção e restrição contribuem não só para a anulação efectiva de um largo número de Direitos Fundamentais, Liberdades e Garantias mas também para o galopante desmantelamento do Estado de Direito.

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