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sábado, 23 de junho de 2012

Democracia Under Construction

por Ana Rita Matias

A situação que o país está a atravessar de um processo de ajustamento económico extremamente duro, que se traduz na deterioração das condições de vida e de trabalho dos portugueses, tem vindo a implicar um acréscimo da conflitualidade social e política. Esse processo de conflitualidade teve mais recentemente um dos seus pontos mais significativos a 12 de Março de 2011, data da manifestação “Geração à Rasca”. Em Portugal surgiu o movimento Geração à Rasca, movimento que organizou uma manifestação que reuniu cerca 300.000 pessoas em diversas cidades portuguesas com o objetivo de contestar a sua situação de vida e de emprego. Os movimentos sociais conjugam em si indivíduos, na sua maior jovens, que se expressam nas ruas, nas redes sociais, na internet, contra situações na atualidade que querem ver alteradas, como o desemprego, a precariedade no emprego e nas condições de vida, a incerteza no futuro, entre outras causas.

Fruto de uma conjuntura de crise e de um crescente mal-estar e desconfiança com as soluções apresentadas pelas principais instituições responsáveis, os ativistas juntam-se aos movimentos sociais porque não se revêm nas respostas que as instituições políticas tradicionais, os partidos, ou até mesmo os sindicatos apresentam. Exigem alternativas, querendo eles próprios ser a alternativa. Segundo o sociólogo Manuel Castells, os movimentos socias podem ser encarados enquanto formas de “contra-poder” (counter-power) no sentido em que são ações coletivas que procuram mudar valores e interesses institucionalizados na sociedade.

Após um ano da Acampada do Rossio, a partir de onde muitos destes movimentos tiveram origem, e após um ano feito da manifestação de 12 de Março, parece ainda cedo para compreender as dimensões que estes movimentos sociais estão a assumir na sociedade portuguesa, se bem que à partida é inegável que constituem parte ativa da sociedade civil. A conclusão inicial de a máquina (organizativa e ideológica) por detrás dos movimentos parecer algo incorpórea, aparentemente, sem grande tração à realidade e sem grande capacidade de a transformar, não se descortinando bem o contributo que estes movimentos possam dar ou ter para a solução da crise, não minimiza o facto de a sua existência ser (bastante) interessante. E um dos sinais que estes movimentos nos transmitem, de modo inequívoco, independentemente do juízo que possamos fazer da sua adequação e eficácia no combate às situações que denunciam, é da crise da democracia parlamentar e dos seus pilares, os partidos.

Sobre o futuro da Democracia, a questão que se impõe é: que tipo de estado e sociedade teremos quando parte (ou grande parte) da população descredita das instituições existentes e se sente afastada dos seus líderes? Como é possível haver cidadania nestas condições?

É evidente que o terreno para o aparecimento dos movimentos está criado: a crise articulada com as deficiências do sistema democrático. O tempo irá dizer da relevância histórica da evolução (amadurecimento? complexização?) destes movimentos. Como é óbvio essa relevância dependerá também de como outras realidades irão evoluir: a democracia parlamentar, a situação económica europeia e mundial. Mas uma coisa parece ser certa: estes movimentos são sinais importantes do tempo que passa e, independentemente do que dizem os seus atores ou das montras partidas, deveriam ser levados muito a sério, sobretudo pelos “líderes das democracias”.

Deixo aqui uma sugestão de leitura sobre este e outros temas:
Aftermath: As culturas Económicas da Crise em Debate, por Gustavo Cardoso, João Caraça, Manuel Castells e Bregtje Van Der Haak (org.), Editora Mundos Sociais, Lisboa.

Texto escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.



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