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segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Comédias Românticas: o Circo no “Cinema”


por Isabel Chalupa

Há uma realidade preocupante e cada vez mais premente a que se assiste actualmente: o género da comédia romântica apresenta-se cada vez mais formulaic e sem originalidade, caindo no mero propósito de entreter um público que se satisfaz com um par de risadas e um final feliz demasiado previsível. Não digo que não goste de me rir ou de saber que um filme vai acabar bem – mas já lá vamos.

Hoje em dia, a comédia romântica tornou-se um entretenimento das massas, uma fórmula de sucesso garantido que, independentemente da qualidade do produto, assegura desde logo a entrada de vários milhões nos cofres das produtoras. O espectador torna-se, assim, um mero meio para atingir um fim, uma simples ferramenta num cuidadosamente bem montado esquema de contornos maquiavélicos delineado com um único objectivo: fazer dinheiro – o público torna-se, assim, a roda dentada essencial que faz carburar um negócio extremamente rentável.

Porém, o grande problema é que o público aceita este decair de arte do que lhe é entregue. Quando vamos comprar uma televisão, não escolhemos uma fraca e barata só porque tem um exterior bonito; quando vamos comprar um computador, não escolhemos um fraco e barato só porque sabemos logo à partida como funciona. Então, por que nos acomodamos com um filme fraco e de entretenimento barato só porque tem actores bonitos e já sabemos como acaba? De facto, o espectador não só é alimentado de material cada vez mais fraco, como se conforma com cada vez pior...

Assistimos, por isso, a uma degradação preocupante e vertiginosa de um género que muita arte pode encerrar e que, quando bem executado, pode resultar numa obra-prima. No entanto, no momento presente, a comédia romântica já nada traz ao cinema. Claro que não posso dizer que tenha detestado Porque Sim!, Engana-me Que Eu Gosto ou muitos outros filmes sofríveis do mesmo estilo. Não obstante, preocupa-me que, neste momento, este seja o único nível qualitativo que Hollywood – e cada vez mais mercados internacionais, como Inglaterra, França, Espanha e Itália – tenha para dar.

Engana-me que eu gosto (2011)
O argumento é dolorosamente simples, os actores dolorosamente simplificados. O realizador encosta-se atrás para deixar o rumo dos acontecimentos fluir e as componentes visual e sonora são um mero acessório. Menino e menina conhecem-se, menino e menina apaixonam-se, menino e menina têm problemas e menino e menina ficam juntos no final. All’s well that ends well. É assim que tudo anda, com ligeiras nuances aqui e ali – por exemplo, um affair ou uma relação de amor-ódio caem sempre bem junto do público – mas, olhemos por onde olharmos, o plano geral é sempre o mesmo. Simples, tão simples que até dói.

O mais preocupante é que, à medida que se vai alimentando cada vez mais o sucesso de títulos de tão fraco nível, estes assumem cada vez mais o preponderante estatuto de ganha-pão de muitos actores de qualidade. Até os bons e grandes intérpretes já tropeçam neste género em decadência, sendo “obrigados” a alinhar na trapaça por força da necessidade de ganharem dinheiro – porque também eles precisam, por vezes, de equilibrar as contas. Assim, vemos um grande Robert DeNiro num pequeno Não Há Família Pior!, uma excelente Diane Keaton num fraquinho Porque Sim!, uma deslumbrante Amy Adams num desapontante Tinhas Que Ser Tu..., os fascinantes Depp e Jolie num apagado O Turista, um excepcional Jack Nicholson num excrementício Man Trouble ou mesmo uma absolutamente perfeita Meryl Streep num defeituoso Amar... É Complicado!. Mas o que é mesmo complicado é ver tão grandemente fabulosos artistas caírem nas garras de tão grandemente básicas comédias românticas.

Amar...é complicado! (2010)

Todavia, não se pense que tudo está perdido. Apesar de quaisquer adversidades, o cinema sempre nos deu, continua a dar e perpetuamente dará de comer algumas obras de qualidade genuína. Desde Alguém Tem Que Ceder, passando por O Amor Acontece, O Diário de Bridget Jones e o mais recente Amor, Estúpido e Louco, além do novo Terapia a Dois, para citar apenas uma pequena parte, as nossas expectativas e avidez de comédias românticas capazes foram sempre encontrando filmes à altura, com os ingredientes essenciais a um grande filme: argumentos originais, grandes interpretações, realizações personalizadas, Fotografias cuidadas e bandas sonoras acertadas (e não somente cravejadas dos maiores hits do momento).

Alguém tem de ceder (2003)
Amor, estúpido e louco (2011)
Assim, apesar do estado doentiamente financeiro do cinema actual, especialmente da manufactura do cinema cómico romântico, há esperança. Nem toda a sétima arte se encontra numa necessidade desenfreada de ganhar milhões produzindo zero, nem todos os espectadores se satisfazem com o pretty package sem nada lá dentro. Certos realizadores e temas remam ainda contra a maré e são-nos oferecidos ocasionalmente títulos verdadeiramente encantadores. Basta pensar nos anteriormente referidos e em muitos mais que pelos nossos olhos já passaram. Basta pensar no vindouro e extremamente promissor Silver Linings Playbook, por exemplo, para nos lembrarmos que ainda se fazem comédias românticas de qualidade... O problema é que a cada uma dessas que surge, quinhentas das outras são sobre nós despejadas.

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