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quarta-feira, 20 de março de 2013

‘Pães, Peixes e Rock’n’Roll’

por Ana Rita Matias

No passado conclave, talvez mais do que em qualquer outro, a questão da origem geográfica do papa católico esteve na ordem do dia. As I see it, atualmente existem diferenças de âmago entre a Igreja da Europa, secular, do ponto de vista sociológico, mais aberta no que toca às práticas e valores, e a Igreja da América latina, África e Ásia, onde está a sua principal base de seguidores. A eleição do argentino Jorge Bergoglio poderá constituir um laço de união, nesse sentido. É incontestável a importância da religião católica no mundo e na nossa sociedade, seja uma pessoa crente ou não. Encontrando-me nesta última categoria, dei por mim a sentir talvez a mesma expectativa sobre identidade do novo pontífice. Como espectadora de bancada, num jogo que admito não compreender totalmente, e que na realidade tenho sérias dúvidas, penso que existem pontos que a Igreja do século XXI terá forçosamente de pensar.

As mudanças deviam ocorrer no seio da própria Igreja – a questão do casamento dos padres, o papel da mulher na Igreja, a homossexualidade, os métodos contracetivos, a questão do aborto, a pedofilia... Não discutir estes assuntos e outros – e dissimular que eles não existem dentro da comunidade católica - é alimentar um monstro que só poderá se virar contra si próprio. A Igreja tem de se pensar enquanto instituição. De seguida, tem de pensar na sua ação. A pobreza, por exemplo, deve ser, mais do que nunca, uma preocupação da Igreja, não só, mas também, devido aos desenvolvimentos económicos e sociais na própria Europa. Nos tempos que correm, a mera proliferação dos ensinamentos, da Fé, de práticas e valores é fatalmente insuficiente. 



Penso que se poderia fazer muito mais e melhor na literacia e desenvolvimento pessoal e humano, no apoio às famílias e comunidades - não dar o peixe, ensinar a pescar – os homens e as mulheres da igreja são um dos grupos mais preparados a este nível. Sejamos claros e honestos no tipo de respostas que a Igreja pode dar, e potencializá-las. A Igreja pode constituir-se como uma rede privilegiada de alternativa à resposta governamental, das ONG’s, associações ou IPSS. E pode começar por fazê-lo localmente, nas paróquias de aldeias ou cidades, no contato direto com os crentes, não crentes e (des)crentes. Não digo que essas respostas não existam e que não existam pessoas dentro da Igreja a fazê-lo. Contudo, parece-me que a Igreja continua demasiado hesitante em dar os passos que precisam ser dados para enfrentar os desafios futuros.

Não se ganha a confiança e se combate a crescente descrença com fechamento e tentativas de evasão a temas incómodos. Gostava de ver um Papa a fazer este discurso e com abertura o suficiente para o fazer. Para já, apesar das controvérsias sobre o seu passado, pergunto-me se a escolha do Papa do seu nome papal será indício de alguma mudança. Como Fernando Madrinha disse no Expresso do passado Sábado, “foram precisos 800 anos para um Papa se lembrar do frade mendicante ao sentar-se no luxuoso trono pontifício”. Percebo contudo que estou a projetar a imagem de uma Igreja que na minha cabeça faria sentido: uma Igreja onde não houvesse discriminação de qualquer espécie (em particular sexual), em que a aceitação do outro fosse plena, em que se assumisse o problema da SIDA e se visse nos métodos contracetivos o caminho para o seu combate, a questão do aborto como um direito inquestionável da mulher, a democratização dentro da própria Igreja, que a leitura textual da Bíblia não faz sentido, nem nunca fez; tudo isto, sem esquecer os valores essenciais que construíram e fundaram a Igreja: a ajuda ao outro, a solidariedade, o afeto, o carinho, o saber dar. Mas como disse no início, a este jogo apenas assisto. 


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