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sexta-feira, 22 de março de 2013

"Isso não é música"

por Luís Abrantes

Há cem anos, Igor Stravinsky estreava o seu mais recente ballet: “A Sagração da Primavera”. Baseava-se num ritual de sacrificação de uma jovem virgem nos tempos da Rússia pagã. A história não é a mais estranha de todas uma vez que já desde o final do séc. XIX uma corrente de nacionalismo musical varreu a Europa. Estranha sim era a música que dificilmente apresentava tom de repouso, estava repleta de dissonâncias e carecia várias vezes de ritmo/compassos regulares (o que se tornou um quebra-cabeças para os músicos da altura). Juntando a isto a coreografia de Nijinsky, que se trata de tudo menos aquilo que esperaríamos chamar de ballet, rebela-se quem está a assistir e é necessário chamar a polícia. O público odeia mas Stravinsky é invejado pelos seus contemporâneos vanguardistas…

Alguns anos mais tarde, entre 1921 e 1923, Arnold Schönberg desenvolve o dodecafonismo. Esta técnica de composição consiste em criar uma série de 12 sons todos diferentes. Será portanto constituída pelo total cromático (p.ex.: todas as notas correspondentes às teclas pretas e brancas entre um Ré e o Ré seguinte que está uma oitava acima). Essa série é então usada na sua forma original, invertida (p.ex.; um intervalo descendente passará a ser ascendente), retrogradada (de trás para a frente) e/ou transposta (iniciada a partir de outra nota). Para além disto, Schönberg refere que:
- Os ritmos utilizados não deverão permitir a sensação de pulsação regular;
- Deve haver uma igualdade de importância entre consonâncias e dissonâncias;
- Não deverão ser utilizadas escalas, acordes ou qualquer outro material sonoro que possa induzir o ouvinte a sentir que a música tem um tom de repouso.

Desta técnica resultaram algumas das obras pelas quais este compositor é hoje conhecido como por exemplo o concerto para piano op. 42 ou a ópera Moses un Aron onde se pode ver que até o canto sofre alterações e passa a ser semi-falado.


Matriz de uma série dodecafónica. P0 – versão original; I0 – Versão invertida; R0 – Versão retrogradada

A obsessão da não-repetição de material musical leva a que Anton Webern (discípulo de Schönberg) componha, 104 anos depois da 9ª sinfonia de Beethoven (que dura um pouco mais de uma hora), uma sinfonia de menos de 10 minutos

O dodecafonismo influenciou imensamente os jovens compositores e músicos da altura. Schönberg foi criticado por não aproveitar todo o potencial da sua técnica. O serialismo total torna-se comum após a Segunda Guerra Mundial e consiste na aplicação de séries a todos os parâmetros da música: ritmo, dinâmicas, instrumentação etc. até ao ponto em que após definir as séries e como elas se organizam não há muito mais a fazer…

Em resposta a música serial de, por exemplo, Stockhausen (Gruppen ou Telemusik – música eletrónica) ou Pierre Boulez (Le marteau san maître) surgem várias provocações. John Cage afirma que se escrever música aleatória e der a ouvir a alguém, essa pessoa não perceberá a diferença. Daí resulta Music of Changes que é composta com material musical escolhido através do lançamento de uma moeda. Cage inventa e compõe para o piano preparado (piano com som alterado através da inserção de algum objeto nas cordas) para imitar o som do gamelão. As suas partituras são muito incompletas de forma a deixar vários parâmetros da música à escolha do intérprete, desde as alturas (“melodia”), ritmo, velocidade, ou mesmo que partes deverão ser tocadas.


Partitura de John Cage

Desde música para qualquer instrumento que se possa ter na sala de estar até à sua composição mais famosa, 4’33’’, que consiste em 4 minutos e 33 segundos de silêncio, John Cage é um ótimo exemplo de um compositor vanguardista do séc. XX.

Piano preparado

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