Aço na forja dos dicionários
as palavras são
feitas de
aspereza:
o primeiro vestígio da beleza
é a cólera dos versos necessários
Mãe Pobre, 1945
seguindo o fio
da tinta
que desenha as palavras
e tenta
fugir ao tumulto
em que as raízes grassam,
engrossam, embaraçam
a escrita
e o escritor.
Micropaisagem, 1969
O neo-realismo, a intervenção que não recusa, antes assume e paulatinamente vai
aprofundando até ao seu último romance “Finisterra – paisagem e povoamento”.
Ler esta prosa poética resulta numa estranheza íntima que não se percebe logo porque
nos mergulha com aquela criança sentada no osso de baleia que teimosamente
pretende reconstruir, de variadas formas, copiadas no entanto da obsessão
familiar que a criança mimetiza, a paisagem do peso da alma que a assola.
Estranha-se que a casa e o jardim desgrenhado e de contornos
mais incertos que as dunas em contínua progressão percorridas elas, o jardim e
a casa pela salinidade da bruma que regurgita túrgida pelas gisandras dela
prenhes.
Estranha-se que os silêncios dos diálogos não nos atinjam a
dormência da alma mas se atirem como areias grossas como penedos, contra a mica das janelas.
Estranha-se sobretudo que a criança e a família se tenham
transformado na casa, no jardim e nas labaredas lá longe que reverberam nas
dunas.
Estranha-se que este romance nos transporte a cada leitura à
perfeita magia de um mundo que só a literatura poderia ter criado.
Estranha-se que fiquemos para sempre presos na vontade de
reproduzir aquela paisagem, tão individualmente íntima e secreta. Fomos um dia
aquela criança. Ai de quem nunca mais o seja.
Fotografia por Mita Jacinto |
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