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quarta-feira, 18 de julho de 2012

A crise é ideológica

por Luís Noronha


Decretaram a “morte das ideologias” - as diferenças claras entre as opções políticas dos partidos, dos grupos ou dos países teriam acabado com a queda do muro de Berlim (1989).

Esta é mais uma das mistificações que a atual ofensiva ideológica do imperialismo dos “mercados financeiros” usa para tornar inevitável o modelo único de capitalismo mais desumano e mais cruel.

Depois da 2ª guerra mundial, levantou-se uma “cortina de ferro”, uma fronteira entre dois sistemas antagónicos. No lado ocidental desenvolveu-se um sistema capitalista, apoiado em governos com ideologia democrata-cristã e social-democrata, com alternância no poder. No lado oriental consolidou-se o capitalismo de Estado, apoiado na direção de um partido único que defendia uma política “rumo ao socialismo e ao comunismo”.

O bloco político e militar do lado oriental foi hegemonizado pela União Soviética, com influência sobre a República Democrática Alemã (RDA), Polónia, Checoslováquia, Hungria, Bulgária, Roménia e Albânia que formavam o pacto de Varsóvia. Com algumas diferenças e independência, a Roménia e a Albânia e a Jugoslávia que sempre se manteve fora deste pacto. Tinham em comum a centralização e a planificação de todos os setores da sociedade. Garantiam as necessidades básicas como o emprego e a reforma e asseguravam os cuidados de saúde, a educação, a habitação, os transportes. Os rendimentos eram suficientes para a alimentação e o vestuário. O desporto, a cultura, o ensino, a investigação científica, a exploração espacial eram apoiados pelo Estado, como forma de afirmação da superioridade do sistema.

Do lado ocidental, apoiado no bloco militar da OTAN, implantou-se um sistema em que o acesso aos bens de consumo e a proteção social, a liberdade de escolha, concorriam com a situação controlada por um grupo dirigente do bloco de leste. Eram exceção ao regime de liberdade as ditaduras na Grécia, Espanha e Portugal, até 1974.

Este sistema político pluralista, geria um capitalismo regulado pelo Estado e aceitava a liberdade sindical, leis de trabalho progressivamente mais favoráveis aos trabalhadores e a existência de imprensa e partidos defensores do modelo soviético ou ainda mais heterodoxo como o seguido pelo Partido Comunista da República Popular da China.

Em épocas de crise, as cedências do sistema capitalista, confiaram nos partidos socialistas ou social-democratas o controle das ambições dos trabalhadores. Exemplo claro o apoio dos Estados Unidos ao Partido Socialista em Portugal, quando a ditadura foi derrubada, como forma de travar a influência do Partido Comunista e outros pequenos partidos de esquerda.

Entre a maior abertura política do sistema soviético, ou a adoção do sistema da Europa Ocidental, os países de Leste fizeram ruir o seu sistema, com a emblemática queda do muro de Berlim.

No filme do alemão Wolfgang Becker, “Goodbye Lenin”, ilustra-se bem a transição rápida na RDA, onde entra a coca-cola e o mercedes, mas entra igualmente o desemprego, a reforma compulsiva antecipada, o despedimento, o despejo da habitação, os sem-abrigo. Como referiu Almeida Garrett no século XIX, os novos pobres foram a consequência do aparecimento dos milionários a as chamadas “mafias do leste”.



O sistema deixou de ter a necessidade de preservar uma aparente proteção do trabalhador, que até desapareceu do vocabulário. Foram transformados em “colaboradores”, que não são despedidos, apenas cessa o seu contrato de colaboração. A proteção social recuou dezenas de anos e vai retirando garantias em nome da “sustentabilidade” do sistema. Para que os lucros não diminuam, diminui-se o salário ou prescindem dos “colaboradores”. O número de desempregados serve para “anestesiar” os “candidatos a colaboradores” ou os que ainda mantêm o seu posto de trabalho, com receio de não serem bafejados pela sorte de “colaborar” com os magnânimos empreendedores.

O que aconteceu nos últimos 22 anos foi o reforço do poder dos que decidem em nome dos “mercados” financeiros, com a ameaça de “achinesar” as relações de trabalho, com mais horas e mais anos de trabalho e com menos salário. A produção foi “deslocalizada” para países ou regiões onde permanecem formas de trabalho escravo.

Esta situação não pode manter-se por muito tempo, porque nem morreram as ideologias, nem a História parou.


Este artigo foi escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.

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