por João Xará
Não é ao acaso que Babel,
faixa-título do álbum, é escolhida para iniciar a segunda jornada de Mumford
& Sons. A canção resume uma das características a que o disco acrescenta ao
surpreendente estreante Sigh no More
(ver crítica aqui), os instrumentos estão mais garridos e apurados. É uma das
várias canções ao longo do álbum que tem o registo entusiasta e dinâmico de uma
música ao vivo. Babel é o novo álbum, editado a 21 de Setembro.
É tentador resvalar para a
narrativa bíblica da Torre de Babel, a construção humana que ousou alcançar a
perfeição divina. Parece que, desde então, Ele nos dividiu em diferentes povos
com várias línguas para que nunca nos entendêssemos e jamais pudéssemos
construir tamanho sonho. Em Babel, as
paredes de uma cidade antiga parecem ruir, mas Mumford e os seus discípulos
depositam a fé numa redenção (I'll believe in grace and choice) onde se celebra o vigor da guitarra e do banjo e o
intimismo, dedilhado numa só canção.
I will wait tinha mesmo de ser o primeiro
avanço do disco. Reflecte a necessidade da banda, de resto patente noutras
canções, de se conectar com a audiência, ambição desde já confirmada pelo
grupo. O refrão deixa o espaço necessário para que o público o acompanhe e o
torne gigante como foi demonstrado no anfiteatro de Red
Rocks no Colorado. É o novo hino do grupo da folk rock como foi The Cave (no último álbum) em que as vozes e os quatro instrumentos
da alma dos Mumford voltam a
juntar-se em harmonia - banjo de Winston Marshall, teclado/piano de
Ben Lovett, o violoncelo de Ted Dwane e a guitarra acústica de Marcus Mumford.
O dedilhar estudado como uma
fórmula científica perpetua-se ao longo do single,
apenas interrompido pelas teclas de Ben Lovett em crescendo. A agitação frenética
corre o risco de camuflar a genuidade da prosa e, apesar de Marcus Mumford ter
negado a relação do disco com a religião, a verdade é que as referências estão
lá, mas servem apenas esse propósito, o da interpretação.
Em Ghosts that We Knew, o piano e o banjo assumem a coexistência da
dor e da esperança. Consciente da escuridão, uma alma torturada suplica a quem
o olha, e não lhe identifica “falhas no coração”, a possibilidade de um futuro.
Apesar de amado e da vida apaziguar o
sofrimento, os fantasmas ainda o visitam
e o homem precisará sempre de reassegurar a felicidade (So give me hope in the darkness that I will
see the light/ Cos oh they gave me such a fright/ But I will hold on with all
of my might/ Just promise me we'll be alright).
Os teclados assumem pela primeira vez a dianteira da música, as mãos de Marcus trocam a guitarra
pelas baquetas incisivas da bateria e o elemento transversal ao álbum surge,
mas com uma nova roupagem: o banjo, agora é eléctrico. Igualmente desenhada
para se conceber ao vivo, Lover of the
Light reacende a combustão depois das quatro vozes ecoarem So love the one you hold/And I'll be your
gold que irá certamente incendiar o público nos concertos.
Hopeless Wanderer pertence ao grupo
de músicas que a banda escreveu e compôs em Nashville. Ted Dwane acredita que a
canção defende a sonoridade do disco que os Mumford pretendiam. “É uma canção
que define o álbum de alguma forma, na sua excitação e motivação. Eu penso que
a escrita das letras é um pouco mais madura”.
A nona faixa é sem
dúvida o pedaço divino que a banda salvou da Babilónia. A bravura e a ousadia
do piano nas mãos de Lovett nunca mereceram o papel de protagonista até então.
As teclas servem de guia à voz de Marcus durante os primeiros 90 segundos até
que, no mesmo instante, gotas de cada instrumento jorram numa chuva intensa e
crua ao som de Hold me fast, hold me fast
/ Cos I'm a hopeless wanderer. Errante, o homem que vagueia, roga pelo dia
em que possa caminhar sobre o céu que o cobre. A música mereceu a atenção de Chris
Martin, líder dos Coldplay, no seu twitter oficial.
Holland Road está também no pódio das
conquistas de Babel. Depois de I will wait, a faixa é a primeira a introduzir o
tom sombrio. É uma trova de motivação individual que supera facilmente o
primeiro avanço do álbum, ao conjugar melhor todo os instrumentos, incluindo a
esperançosa sonoridade da trompa. A guitarra grita em uníssono com o banjo e é
em Holland Road que um homem com “pensamentos do inferno” vê o seu resgate (And when I've hit the ground/ Neither lost
nor found /If you'll believe in me I'll still believe).
Babel encerra com Not with Haste, versão da colaboração
com Birdy em Learn me right para o
filme Brave Indomável da Pixar. É uma afirmação desvergonhada e honesta na pela
fé na esperança. Quase como num conto ela não é fortuita, mas lição do passado.
A ansiedade em amar deixou-o em ruínas. Agora fá-lo “sem pressas”.
Atenção ainda para Broken Crown, possivelmente a música
mais revoltante de Babel (I took the road
/ and I fucked it all away / now in this twilight, how dare you speak of grace)
e para The Boxer (versão deluxe),
cover de Paul Simon que inclui a
participação do mesmo.
Babel parece já ser
um fenómeno comercial, foi o álbum que vendeu mais cópias numa só semana nos
Estados Unidos (600 mil unidades) e o que escalou em menor tempo a posição
cimeira do Reino Unido. Recentemente igualaram um feito que pertencia
exclusivamente aos Beatles ao
introduzirem seis canções em simultâneo de Babel na tabela da Billboard.
Depois de Sigh no More, o quarteto britânico
tinha duas opções: o distanciamento do disco ou seguir a mesma linha. Babel é certamente inferior ao seu
antecessor, mas ainda tem a sonoridade única do folk que lhes é característica,
as letras enriquecidas e um som de uma alma antepassada, capaz de cobrir um
grande espectro etário.
Quem não gostou do
primeiro álbum, não vai mudar de opinião em relação à banda. Os Mumford &
Sons não esperavam o sucesso de Sigh no More e muito menos uma tour extensa,
onde pouco tempo sobrava para escrever. A banda folk rock assume-se
primeiramente como uma live band.
Os concertos que
deram pelo mundo foram uma grande influência neste último trabalho. Babel é mais
robusto e enérgico e denota uma maior preocupação dos Mumford em captar a mesma
atmosfera dos concertos. Nisso foram bem-sucedidos. Mas se a experiência lhes trouxe
um melhor domínio, liberdade e consciência dos instrumentos, o folk tornou-se
mais híbrido e os refrões mais sonantes e elípticos.
Babel foi uma
jogada segura, mas não merece de todo um descrédito. É uma viagem enorme e fervorosa.
É uma festa para o público.
Na última canção,
Mumford e os seus discípulos deixam um recado - This ain't no sham/ I am what I am/ I'll leave no time/ For a cynic's
mind.
A celebração pode ser-lhes cobrada no futuro.
Mas para já, o folk continua em boas mãos.
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