Era maio, mas podia ser
setembro, como agora. A escola em pleno funcionamento. Os diretores de turma
assoberbados com trabalho, como agora.
O Pedro, professor e diretor de
turma, vem ter comigo e pede-me para estar presente numa reunião que vai ter
com a mãe do Luís. O Pedro esclarece tratar-se de uma situação de abandono
escolar. Entramos no gabinete e verifico que o Luís também está presente,
sentado e de cabeça baixa. Perante a pergunta, por que razão o Luís não vem à escola,
a resposta da mãe é rápida e sem qualquer hesitação: “O Luís não vem à escola
porque não quer vir e se ele não quer vir, não posso fazer nada.”
É bom esclarecer que o Luís tem
apenas 11 anos, tem um ar franzino e continua quieto, de cabeça baixa, sem
esboçar um gesto que denuncie o que lhe vai “por dentro”. O diretor de turma
pergunta à mãe se é o Luís que deve decidir ou ela que, como adulta e mãe, deve
explicar ao Luís a importância da escola e fazer com que este compareça nas
aulas todos os dias.
Senhor professor, riposta a
mãe, o meu filho é que manda em mim, ele não me obedece, porque o senhor não
sabe, mas o meu marido está nas Bermudas a trabalhar para ganhar dinheiro. O
senhor não sabe, mas tínhamos muitas dívidas para pagar e então o meu marido
emigrou e até disse ao meu filho que ele agora era o homem da casa e que teria
de tomar conta de mim. Eu digo-lhe para vir para a escola, mas ele não quer e
se ele não quer, não posso obrigar.
O diretor de turma lembrou
aquela mãe que o Luís era apenas uma criança, que ela, com a sua atitude, estava
a ser negligente e que desse modo teria de participar a situação à comissão de
proteção de crianças e jovens.
Olhei para o Luís, continuava de cabeça baixa,
nenhum sinal de revolta ou resignação, nenhuma demonstração de ser ele “o homem
da casa” como dizia a sua mãe.
No silêncio do Luís, pareceu-me
ouvi-lo dizer:
“Mãe, ainda sou
o menino do retrato,
tenho onze anos
e não quero ser o homem da
casa.
Preciso que me ajudes e
orientes, mãe.
Às vezes, as palavras que me
dizes
são duras, mãe,
e eu só quero que percebas
que todo o meu corpo ainda está
a crescer
e que ainda sou o menino
que quer adormecer nos teus
olhos!
As palavras não ditas do Luís
cruzaram-se com outras ditas por Eugénio de Andrade e a melancolia soou igual,
mesmo que em sentido contrário.
Até amanhã. Um dia o Luís irá
com as aves.
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