Em que alto cavalo
azul
Inda serei menino?
- Vergílio
Alberto Vieira.
Tempos idos. Lembranças reavivadas nas
brincadeiras, cheiros, sorrisos, pessoas e lugares que nos fazem querer sentar
ao lado daquela criança que conhecemos tão bem e que ainda trazemos em nós.
Ali corríamos, pulávamos à corda,
inspecionávamos carreiros de formigas, trepávamos árvores, jogávamos à macaca,
inventávamos estórias e vivíamos felizes entre bonecas e carrinhos na certeza
de sermos heróis, com a boca suja de chocolate, sentindo o vento na cara e o
tempo suspenso nos baloiços (voadores!) do jardim.
Acreditávamos,
brincando.
Aquele era um mundo à parte. Nosso.
Dos nossos amigos. Uma das muitas dimensões que compõem a Infância. Recantos
onde o estado das coisas parecia possuir a dose certa de imprevisibilidade,
espontaneidade e imaginação.
- Estou a brincar! – Retorquíamos
inúmeras vezes, com a maior naturalidade.
De facto, é com esta mesma
simplicidade que devemos encarar que inerente à Criança está o próprio acto
de brincar. Brincando Ela cresce de
forma saudável e desenvolve-se, relacionando-se e aprendendo com o meio e com o
Outro. Não devemos, por isso, desvalorizar este processo nem tão-pouco as
múltiplas formas de expressão (simples ou complexas) que dele advêm, pois é na
interação com diferentes contextos, no desencadear de aventuras, na capacidade
de criar, no resolver de situações-problemas, entre outros que a criança, brincando,
acaba por aprender, iniciando um decurso de formação identitária.
Assim, quando falamos em brincar há
que ter em consideração de que é uma estrutura indispensável ao crescimento
do ser humano, capaz de aliar dois ambientes distintos que se complementam: o
lúdico e o educativo (aprendizagem progressiva/ aquisição de diversas
competências).
Para pais e professores o brincar
acarreta uma série de formas de ser, pensar e agir específicas das
crianças, daí ser essencial para os educadores estarem atentos às manifestações
dos seus educandos, pois as diversas brincadeiras são não só o confronto
entre elementos do mundo real e do mundo fictício, bem como a
exteriorização da criança segundo um código comunicativo bastante particular
e variado que difere segundo o histórico pessoal, os estímulos, os recursos, os
ambientes, as limitações e a cultura (passando de geração em geração).
Numa visão mais
didáctico-pedagógica, não podia deixar de mencionar a ligação que existe entre o acto de brincar e o jogo (destaque
para a figura de Karl Groos, 1899), sendo este último uma ferramenta
indispensável ao desenvolvimento sensório-motor, cognitivo, afectivo, social e
da saúde de qualquer indivíduo.
No concerne à instituição escola, é
comum os professores recorrerem a diferentes jogos, em conformidade com os
conteúdos curriculares e objetivos que pretendem promover dentro ou fora da
sala de aula (é, ainda, corrente encontrarmos, nas escolas, as chamadas
“Ludotecas”), utilizando-os como eficazes ferramentas de trabalho.
O jogo insere-se, portanto, numa das
muitas possibilidades do brincar (marcando uma vez mais a ideia “brincando e aprendendo”). Na verdade, ambos
mais do que actividades de entretenimento (de cariz funcional), inscritos
no comportamento da criança, são, antes, parte de um caminho de maturação e
de aprendizagem que a mesma percorre, sendo capazes de promover tempos e
espaços de lazer, mas, também, uma variedade de desafios intra e interpessoais.
Para terminar, realço novamente a
importância que o brincar exerce no pleno crescimento da criança, sendo por
excelência a conjugação de vastas dimensões, nas quais a criança explora o
mundo, adquire valores, supera medos, aguça interesses, desperta e interage (conhecendo-se
e conhecendo o que lhe rodeia), à medida que nutre a sua aprendizagem.
Tornando-se essencial, numa sociedade marcada pela inactividade, por pais
oprimidos pela sobrecarga horária e por crianças, desde cedo, habituadas a
estarem sentadas em frente a computadores e demais programas, haver uma (re) avaliação
do conceito do brincar, na tentativa de se promover um equilíbrio dos contextos/
realidades e recursos que são disponibilizados à criança, com vista a que se
reúnam as condições necessárias à sua prática. Não esquecendo que brincar é
um direito. A criança pelo e no acto
de brincar usufrui daquela singular essência da “meninice”. É criança.
Bibliografia
consultada:
Borràs, Lluís (2001).
Os Docentes do 1º e do 2º Ciclos do
Ensino Básico: Recursos e técnicas para a formação no século XXI – Volume 2. Setúbal:
Marina Editores.
Condessa, Isabel
Cabrita, Org. (2009). (Re) Aprender a
Brincar: da Especificidade à Diversidade. Ponta Delgada: Universidade dos
Açores.
Vieira, Vergílio
Alberto (2000). Do Alto do Cavalo Azul.
Lisboa: Caminho.
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