Memória, uma das grandes capacidades conhecidas do cérebro
humano, instigadora de curiosidade, desde há vários séculos, não só a cientistas,
mas também a filósofos e à própria sociedade.
Atualmente, sabe-se que a memória resulta de uma complexa
comunicação neuronal entre diversas estruturas, tais como o hipocampo, o gyrus
parahipocampal, os cortéx pré-frontal, pré-cúneo, cingular, temporal, entre
muitos outros, e, ainda, a amígdala. Esta é uma estrutura altamente importante
para o comportamento social, bem como para o processo de auto-referenciamento,
desempenhando, por isso, um papel crucial no tema que vos trago para esta
semana – a hipertimesia ou hiperamnésia autobiográfica.
A hipertimesia traduz-se por uma condição clínica na qual o indivíduo
possui uma memória autobiográfica superior, isto é, consegue recordar um grande
leque de experiências e eventos vividos anteriormente, sendo-lhe possível
relatar com bastante detalhe quase todos os dias da sua vida.
Em 2006, na revista Neurocase, foi documentado o primeiro
caso de hipertimesia, o da americana AJ (Jill Price). Atualmente, conhecem-se
cerca de 20 casos em todo o planeta, mas a verdadeira etiologia desta patologia
permanece pouco conhecida.
No entanto, os estudos científicos efectuados demonstraram
que, apesar de uma memória autobiográfica superior ao normal, há uma certa
dificuldade no que toca a memorizar pequenas coisas do dia-a-dia; por exemplo,
AJ que declarou usar 5 chaves diferentes no porta-chaves e, no entanto, nunca sabe
a onde pertencem. Outro exemplo seria o de Aurelien Hayman, um jovem de 20
anos, que afirma não ter qualquer vantagem face ao seu curso universitário
devido à sua condição.
Os cientistas afirmam haver uma compensação , verificando-se
um deficit em funções de organização e controle mental, podendo inclusive haver tendências obsessivo-compulsivas.
Ora bem, quem não odeia esquecer-se do aniversário de um
amigo, a password da conta, aquele recado que era importante? Pois bem, eu cá
acho que o esquecimento é subestimado na sociedade e, no entanto, chegamos a
esquecer o próprio esquecimento.
Mas como será viver sem conseguir esquecer aquele dia
horrível? Aquela vergonha que passamos em frente a alguém que queríamos
surpreender? Aquela discussão que nos desfez em mil pedaços? A morte daquele
familiar/amigo tão querido? Aquele acidente traumático? Aquele medo de
infância?
O ramo da psicologia estuda um processo mental conhecido
pelo nome de Recalcamento que, muito resumidamente, consiste numa forma de
armazenar a informação que nos é “dolorosa”, uma informação que precisa/deve
ser “esquecida”, que nos influencia, sim, mas que não está “ativamente” presente
no dia-a-dia, contrariamente, por exemplo, à noção de “quem sou eu”. Mas, e se não existisse este processo, e se
fossemos obrigados a recordar cada passo que demos ao longo de 10, 20, 30 anos...?
É o que acontece aos indivíduos com hipertimesia, acabam por
ser “forçados” a lembrar-se da roupa que vestiam, o que comeram ou que músicas
ouviram na rádio no dia X ou Y, mesmo que tenha sido há 25 anos atrás. Muitos
afirmam que simplesmente lhes vem à memória, por vezes, revivem-na numa espécie
de filme, outras nem dá tempo para isso... simplesmente se lembram, sem
qualquer esforço.
E agora, ainda excomunga o esquecimento?
Documentário (inglês):
Consulta:
A case of
hyperthymesia: rethinking the role of the amygdala in autobiographical memory
(artigo disponível em http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/13554794.2011.654225)
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