Surgiu com a estreia do novo
filme de Kathryn Bigelow, Zero Dark
Thirty (00:30 Hora Negra em
português, sendo que abreviarei o nome original para ZDT), um tema polémico que tem causado um invulgar número de
declarações oficiais e uma troca bastante peculiar de comentários entre a
realizadora e, imagine-se, a CIA. E qual é a causa de tal alvoroço, pergunta o
leitor? Ora vejamos: surgiu o boato de
que ZDT é pró-tortura. Uma afirmação
que não só não prima pela perspicácia, como pela inteligência.
Antes de mais, compete-me referir que Bigelow já veio revogar o direito de um
autor à arte, retratando na tela o que quer que flua pelas suas veias
artísticas. Assim, é sua liberdade exprimir a sua arte e talento, seja sob que
forma for.
Regressando ao assunto em si, é importante colocar uma
questão: obras que retratem a guerra são a favor da guerra? Obras que retratem
o abuso sexual são a favor do abuso sexual? Então por que é que obras que retratem tortura serão a favor da
tortura? Goya (pintura) e Robert Capa (fotografia) ilustraram a guerra,
Lynch e Gaspar Noé (cinema) ilustraram o abuso sexual, mas nem por isso
glorificavam tais realidades. Assim, por que razão será Kathryn Bigelow acusada
de realizar um filme pró-tortura?
Porém, para mim o
mais impressionante é mesmo haver uma grande discussão acerca de um tema que
não é! Primeiro de tudo, o filme
retrata factos. O argumento não pode fugir aos mesmos: se os testemunhos em
que se baseou relatam o uso de tortura, não há modo de fugir ao retrato da
mesma. Além disso, é fundamental assinalar que, conforme o filme narra e expõe,
os maiores avanços foram feitos sem tortura. É no governo de Obama
que os Estados Unidos se declaram contra essa forma de obtenção de informação
e, de facto, é após essa mesma decisão que os grandes desenvolvimentos na
procura por Bin Laden se revelam. Assim, em vez de nos preocuparmos com a
tortura relatada em ZDT, que tal
preocuparmo-nos com o uso de tortura na CIA? Na vida real? De facto, o filme expõe essa realidade repugnante,
atroz e assustadora. Mais do que o facto de Bigelow nos mostrar as barbaridades
que se passavam nos estabelecimentos prisionais, é aterrador o facto de tais
métodos absolutamente truculentos e desumanos terem sido utilizados para
extrair informação de pessoas por diversas vezes inocentes – como podemos
confirmar no documentário Standard
Operating Procedure (ou em Ghosts of Abu Ghraib).
O
importante aqui é distinguir o que é arte do que é ferramenta política. E Zero
Dark Thirty não pode, de modo algum, ser considerado pró-tortura.
Atribuir-lhe tal designação seria assassinar a arte que este personifica, o dom
de uma realizadora que ainda tem muito para dar ao Cinema. Bigelow já foi
prejudicada por um tema que, repito, não o é ao ser deixada de fora na lista
dos nomeados ao Óscar de Melhor Realizador. Assim, reitero que ZDT não é pró-tortura, muito
pelo contrário: procura, isso sim, ilustrar uma versão dos acontecimentos o
mais próxima possível à realidade e, com isso, denunciar as metodologias
beluínas utlizadas há bem pouco tempo atrás por aquela que é considerada a
maior organização social de “segurança” do mundo: a CIA.
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