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sábado, 9 de março de 2013

Entre culturas: França e Singapura (parte I)


por Laura Falé

Lia este texto, quando me pus a pensar em quais poderiam ser as diferenças históricas, filosóficas e políticas que estão por trás destas diferenças culturais que hoje se nos apresentam.

            Para quem não leu a entrada de blogue – é um pouco grande e em Inglês, embora não seja de leitura complicada – fala da experiência pessoal da Maria, uma Inglesa que foi criada no Canadá. Ela visitou Singapura e de seguida, Bordéus, em França. Então, neste post, apercebe-se que sentiu um choque cultural muito maior quando foi a França do que quando foi a Singapura. Se à partida isto nos parece estranho – a nós, ocidentais – temos que nos colocar o máximo possível fora na nossa própria cultura e do nosso conceito de nação. Talvez seja melhor começarmos por nos vermos de fora, para depois podermos distanciar-nos mais ainda e observarmos de que forma a cultura asiática evoluiu e em que assenta.

            Vamos então dividir este texto em duas partes: este primeiro post falará da ideia de nação para França. O próximo, falará da cultura em Singapura e concluirá os dois posts.

            O nosso conceito de nação, pelo menos como alguns autores o descrevem e com os quais eu concordo (para mais informações, consultar a bibliografia no final deste artigo), começou no século XVIII, mas não da forma como o conhecemos hoje. Foi durante a Revolução Francesa, em 1789, que aqueles que pertenciam ao povo se revoltaram contra a monarquia instituída, o clero e a nobreza que possuíam todos os privilégios, constituindo apenas 3% da população francesa.



         Sendo que o Rei se sentiu ameaçado, decidiu reunir os representantes de cada Estado – a noção de nação no Antigo Regime era uma privilégio de nascença, ou seja, não implicava pertencer a um determinado país ou a partilhar uma determinada cultura, como nós vemos atualmente, mas sim a pertencer ao que nós chamamos classe social (e que, naquele tempo, se chamava ordem).

Os representantes do Terceiro Estado - o povo - , tinham o mesmo poder de voto, dentro dessas cortes convocadas pelo Rei, que a Nobreza e o Clero. O que, na prática, faria com que a aprovação de leis fosse injusta, já que estavam dois votos (Nobreza e Clero) contra um (Povo). Desta forma, nenhuns privilégios seriam abolidos.

Assim, após alguns desacatos, os membros do Terceiro Estado decidem reunir-se na Sala do Jogo de Ténis, uma sala anexa ao palácio, e formam aí uma Assembleia Constituinte, liderada por Robespierre,  um dos mal-fadados filhos da Revolução. Aqui, elaboraram a primeira Carta de Direitos do Homem e do Cidadão e pretendiam, dizem eles, tornar o Estado o lugar onde se promulgam leis necessárias para todas as liberdades se equilibrarem.

Dizia Montesquieu que “a liberdade é o direito de fazer todo o que as leis permitem; e se um cidadão pudesse fazer o que elas proíbem, deixaria de ser livre, pois os outros teriam todos o mesmo poder”. Portanto, esta ideia de nacionalismo e de nacionalidade era altamente inclusiva. Qualquer pessoa que desejasse estar subordinada às leis francesas, poderia fazê-lo, independentemente do país onde vivia ou da sua origem étnica. Foi a única vez que o nacionalismo foi mais à esquerda – embora Marx tenha dito que a Revolução Francesa foi uma revolução burguesa, mas este é um tema para um próximo post – e que foi, repito, inclusiva.


            Ora, depois de se instalar o Terror Francês, França começou a invadir o resto da Europa. Os países europeus, que não eram mais que pedaços de terra onde viviam camponeses que nem os mesmos dialectos falavam dentro do próprio país, eram desconjuntados e sem uma política coesa, sem um conjunto de leis que os ajudasse a manter-se unidos. Portanto, a ideia de Napoleão foi a de criar um império Francês que, cheio de esperança, unisse todos os países sob a lei francesa.

            Mas o que aconteceu foi exactamente o contrário. Com as invasões Napoleónicas, muitos países, nomeadamente a Alemanha, começaram a encontrar formas de se ‘ensimesmar’, de se virar para si próprios e aí o nacionalismo francês, que nessa altura era inclusivo e assentava nos pressupostos de Rousseau na altura do Contrato Social, passou a ser exclusivo de cada povo originário. Assim, para eles, pertencia à nação quem tinha ‘sangue’ originário e este raciocínio levou a que os países se fechassem em si mesmos. Ora, este não era de todo o objectivo de Napoleão, que acaba por não concretizar o Império Francês, mas por deixar sementes de nacionalismo mais conservador por toda a Europa.

            Este nacionalismo exclusivo dos povos originários foi propagado muito lentamente com uma série de políticas educativas e publicidade à própria nação. Aliás, nos Discursos à Nação Alemã, de Fichte, ele diz-nos que passos precisam os Alemães de tomar para que se constitua uma verdadeira nação. Note-se que aqui não está ainda o discurso racista de Hitler, que só entra em voga no século XX, provavelmente por não haver ‘provas científicas’ – leia-se, por a ciência ainda não estar suficientemente desenvolvida – da superioridade alemã.

            Mas de que forma poderão estes episódios ter tanta relevância na nossa forma de receber o outro e de encontrarmos o indivíduo que não é nacional quase como tomado de um espírito ‘estrangeiro’?

Fica para ser respondido no próximo texto, que este já vai longo e maçador.
            

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