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domingo, 10 de março de 2013

O Valor da Amizade - parte I

por Isabel Chalupa


                  Não, este não é o mote para um elóquio bucólico acerca da importância dos amigos, ou uma composição em prosa de alma lírica dissertando sobre quão fundamental se revela termos alguém que esteja lá para nós sempre que precisamos. E por outro lado, até é disso que vou falar – mas num contexto completamente diferente do que seria de esperar. Basta-nos recuar duas semanas. Estamos na noite do dia 25 de Fevereiro, uma noite de festa para o Cinema. A grande cerimónia do ano está prestes a decorrer, os máximos galardões da Sétima Arte prestes a ser distribuídos. É a noite dos Óscares.

            A festa decorre sem sobressaltos, algumas surpresas e muitos triunfos previsíveis, um apresentador com piada mas sem o encanto com que todos sonhamos e as injustiças do costume. Duas delas, as mais clamorosas, são as vitórias de Anne Hathaway como Melhor Actriz Secundária e Argo como Melhor Filme. Duas escolhas chocantes que têm apenas uma justificação: os amigos. Compreendem onde quero chegar? Debrucemo-nos sobre o caso da actriz.

            Anne Hathaway chegou ao mundo do Cinema com O Diário da Princesa, filme de grande sucesso que nos permitiu compreender que havia talento naquela jovem actriz. Porém, cedo se percebeu também que os papéis que desempenhava ao longo dos mais variados filmes não passavam daquela mesma personagem que havia interpretado desde a primeira película. Como já escrevi anteriormente, as suas personagens (...) são sempre a mesma pessoa, precisamente a mesma personalidade, o mesmo sorriso, os mesmos trejeitos, os mesmos humores, a mesma maneira de ser... No fundo, são sempre a actriz, que é natural frente à câmara, mas é incapaz de se tornar noutra pessoa qualquer. Apenas variou o tom em O Cavaleiro das Trevas Renasce, mas pareceu algo forçada e deslocada, sem conseguir evitar as comparações à épica Catwoman de Michelle Pfeiffer que, sejamos justos, a mete a um canto. Ainda assim, mérito para Anne, que finalmente conseguiu soltar as suas amarras.



            Chega então Fantine. Uma mulher na base da pirâmide, o último elo da cadeia alimentar. Bateu no fundo. Com não mais de dez minutos e a rendição de uma música que só por si já tinha tudo para ser o grande momento do filme, Hathaway conseguiu assumir, por fim, uma nova personalidade. I Dreamed a Dream é dos temas mais emocionantes de todos os tempos e, por isso, uma nomeação assegurada para quem se disponha a interpretá-la com o sentimento e força que a canção exige. Porém, será justo atribuir um Óscar a uma actuação que dura meia-dúzia de minutos e se agarra a uma música já de si com créditos assegurados? Especialmente quando as suas concorrentes são donas de performances de poder bastante superior...?


            Jacki Weaver talvez seja a única das restantes nomeadas que não merecia vencer o galardão sobre a actriz premiada. Já Sally Field tem em Lincoln um desempenho de cortar a respiração, aparecendo manifestamente mais que um quarto de hora e sem se apoiar em qualquer momento musical. Helen Hunt empresta a Seis Sessões a capacidade de escalar um patamar em direcção à excelência. Para não falar de Amy Adams, para mim a justa vencedora. Em The Master, Adams tem uma performance brilhante, com um controlo aterrador de cada cena em que entra; sabemos que é a sua Peggy que manipula todas as cenas e personagens, a sua postura doce e serena uma máscara para a sua verdadeira faceta cruel e sem escrúpulos. Não há uma cena em que não sintamos o seu escrutínio, os seus olhos e ouvidos vigiando e controlando tudo e todos em seu redor. É ela o verdadeiro Master no filme, tal como foi ela a verdadeira Melhor Actriz Secundária do ano 2012.



            Então, o que levou a Academia a escolher a claramente inferior Anne Hathaway? E em que grau se relaciona com a injustiça da vitória de Argo? É isso mesmo que analisaremos na segunda parte deste artigo, já no dia 10 de Abril deste mesmo ano. Espero ter a vossa leitura atenta nessa data...

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