Não, este não é o mote para um elóquio bucólico acerca da
importância dos amigos, ou uma composição em prosa de alma lírica dissertando
sobre quão fundamental se revela termos alguém que esteja lá para nós sempre
que precisamos. E por outro lado, até é disso que vou falar – mas num contexto
completamente diferente do que seria de esperar. Basta-nos recuar duas semanas.
Estamos na noite do dia 25 de Fevereiro, uma noite de festa para o Cinema. A
grande cerimónia do ano está prestes a decorrer, os máximos galardões da Sétima
Arte prestes a ser distribuídos. É a noite dos Óscares.
A festa
decorre sem sobressaltos, algumas surpresas e muitos triunfos previsíveis, um
apresentador com piada mas sem o encanto com que todos sonhamos e as injustiças
do costume. Duas delas, as mais clamorosas, são as vitórias de Anne Hathaway
como Melhor Actriz Secundária e Argo
como Melhor Filme. Duas escolhas chocantes que têm apenas uma justificação: os
amigos. Compreendem onde quero chegar? Debrucemo-nos sobre o caso da actriz.
Anne
Hathaway chegou ao mundo do Cinema com O
Diário da Princesa, filme de grande sucesso que nos permitiu compreender
que havia talento naquela jovem actriz. Porém, cedo se percebeu também que os
papéis que desempenhava ao longo dos mais variados filmes não passavam daquela
mesma personagem que havia interpretado desde a primeira película. Como já
escrevi anteriormente, as suas
personagens (...) são sempre a mesma
pessoa, precisamente a mesma personalidade, o mesmo sorriso, os mesmos
trejeitos, os mesmos humores, a mesma maneira de ser... No fundo, são sempre a
actriz, que é natural frente à câmara, mas é incapaz de se tornar noutra pessoa
qualquer. Apenas variou o tom em O
Cavaleiro das Trevas Renasce, mas pareceu algo forçada e deslocada, sem
conseguir evitar as comparações à épica Catwoman de Michelle Pfeiffer que,
sejamos justos, a mete a um canto. Ainda assim, mérito para Anne, que
finalmente conseguiu soltar as suas amarras.
Chega então
Fantine. Uma mulher na base da pirâmide, o último elo da cadeia alimentar.
Bateu no fundo. Com não mais de dez minutos e a rendição de uma música que só
por si já tinha tudo para ser o grande momento do filme, Hathaway conseguiu
assumir, por fim, uma nova personalidade. I
Dreamed a Dream é dos temas mais emocionantes de todos os tempos e, por
isso, uma nomeação assegurada para quem se disponha a interpretá-la com o
sentimento e força que a canção exige. Porém, será justo atribuir um Óscar a
uma actuação que dura meia-dúzia de minutos e se agarra a uma música já de si
com créditos assegurados? Especialmente quando as suas concorrentes são donas
de performances de poder bastante superior...?
Jacki Weaver
talvez seja a única das restantes nomeadas que não merecia vencer o galardão sobre
a actriz premiada. Já Sally Field tem em Lincoln
um desempenho de cortar a respiração, aparecendo manifestamente mais que um
quarto de hora e sem se apoiar em qualquer momento musical. Helen Hunt empresta
a Seis Sessões a capacidade de
escalar um patamar em direcção à excelência. Para não falar de Amy Adams, para
mim a justa vencedora. Em The Master,
Adams tem uma performance brilhante, com um controlo aterrador de cada cena em
que entra; sabemos que é a sua Peggy que manipula todas as cenas e personagens,
a sua postura doce e serena uma máscara para a sua verdadeira faceta cruel e
sem escrúpulos. Não há uma cena em que não sintamos o seu escrutínio, os seus
olhos e ouvidos vigiando e controlando tudo e todos em seu redor. É ela o
verdadeiro Master no filme, tal como
foi ela a verdadeira Melhor Actriz Secundária do ano 2012.
Então, o que
levou a Academia a escolher a claramente inferior Anne Hathaway? E em que grau
se relaciona com a injustiça da vitória de Argo?
É isso mesmo que analisaremos na segunda parte deste artigo, já no dia 10 de
Abril deste mesmo ano. Espero ter a vossa leitura atenta nessa data...
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