Vinte anos de excelência musical, e ainda não foram declarados património nacional. Pelo menos isso, património nacional.
É pouco provável que muitas pessoas falem em Primitive Reason para além de Seven Fingered Friend, o êxito de 1993 que os lançou. Essas pessoas nunca terão ido a um concerto dos Primitive Reason. O meu primeiro concerto nem teve direito a esse momento, e mesmo assim estava o público em estado de graça perante tais profetas do reggae.
Do reggae? Pois, 1993 já lá vai há muito tempo, e os Primitive Reason não são só reggae. É óbvio que a sua sonoridade vai para além deste género musical, incluindo sonoridades também de música mais marcada por África, bem como incursões violentas e súbitas no metal. Mais do que isso, os Primitive Reason não são só música. São uma oração. Seja lá quem for o deus e santos que professam, ou sejam lá quais forem as crenças de quem vai aos concertos dos Primitive Reason. Estar num concerto dos Primitive Reason é estar numa celebração divina de música.
O concerto de apresentação do novo álbum dos Primitive Reason no passado dia 30 de Abril, no Ritz Clube em Lisboa, foi isso mesmo: um ritual preparado para a comunhão de Seven Fingered Friend. Mas tal como a Eucaristia, em que o momento principal será a comunhão, o receber a hóstia do celebrante, houve momentos de oração antes, e houve depois acção de graças e benção final. Tudo preparado para que esse tal momento que acompanha os Primitive Reason há 20 anos acabe por ser apenas mais um grande momento da noite. E num momento de histeria colectiva, o público entregou-se com o corpo à versão ultra-rápida em ritmo ska de Red Red Wine, o original de Neil Diamond.
E tal como uma celebração litúrgica, o celebrante estava à porta a receber os fiéis. Isso mesmo, Guillermo de Llera à porta a cumprimentar quem ia entrando.
Esperem aí... Novo álbum? Os Primitive têm um novo álbum? Têm. Oficialmente a partir do dia 1 de Abril têm. E não é peta. Têm mesmo. Power to the People (a tradução livre para inglês de o povo é quem mais ordena?)
Para além da alusão e incentivo óbvios à indignação e revolta perante o panorama social, económico, cultural e tudo mais, Power to the People é também uma forma de referirem a forma como este álbum foi editado. Aquilo que se convencionou chamar de crowdfunding, se fosse há 20 anos, numa altura em que não havia Internet e sabíamos falar português, iríamos chamar a isto investimento comunitário.
Através de várias opções, que incluíam diversas ofertas, o público em geral foi convidado a financiar a gravação do álbum. Não foi mais do que uma forma de perguntar se queríamos ou não um novo álbum dos Primitive. Pelos vistos queríamos.
Quanto ao álbum, Power to the People é como que uma homenagem à excelência musical. É hipnótico. E bastam alguns toques de guitarra na faixa de abertura, Seeds Among the Rain, que logo Power to the People entranha-se.
O ponto menos positivo deste álbum será a perigosa colagem aos Limp Bizkit no tema Stand. De resto, para além de canções de referência, os músicos que tocam neste álbum deveriam eles próprios serem louvados e tratados como património cultural de Portugal.
Guillermo de Llera, Abel Beja, Luís Pereira, Rui Travasso, Tino Dias, seja Deus louvado.
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