Desde miúda que acompanho
programas que têm a intenção de lançar novos talentos musicais – falo, por
exemplo, da Operação Triunfo (RTP1), da Academia de Estrelas (TVI) ou dos Ídolos
(SIC) – e um conselho que é comum e nunca se dispensa aos aspirantes a artistas
que parecem mais promissores é que façam uma carreira a cantar em português. É
uma ideia sempre muito aplaudida, seguida de acenos de cabeça e sorrisos
entusiastas. “Pois, claro que sim! Se é de Portugal, canta em português, ora
essa!”
O mesmo se aplica ao Festival da
Canção. É certo que as nossas participações nunca têm sido muito bem sucedidas
em termos de pontuação – o nosso recorde, até à data, é um 6º lugar, em 1996 -,
mas temos primado por sermos um dos poucos países que teimosamente continua a cantar
na sua língua materna, recusando-se a render-se ao aparente facilitismo da língua
inglesa.
Por cá, o complexo do inglês não é
novo. Tenho a sensação que só aceitamos uma música como “produto nacional” se
ela for, efectivamente, escrita em português.
Como amante de música, feita por
cá ou além fronteiras, atrevo-me a dizer que acho todo este suposto orgulho
linguístico uma infantilidade. Antes que me chamem estrangeira ou
anti-patriota, não quero deixar de sublinhar que acho a nossa língua riquíssima,
muito musical e perfeita para ser cantada, de facto. Contudo, acho também um
grande disparate dizer que o que está certo é cantar em português e que quem
canta em inglês não tem amor ao seu país, é presunçoso ou está a tentar
colmatar falhas de uma letra que, se fosse traduzida, não teria conteúdo
nenhum.
Não posso negar que isso acontece
muitas vezes. A escassa compreensão de uma língua estrangeira pode levar-nos a
ouvir as coisas com as letras mais absurdas só porque nos soa bem. Lembro-me
bem quando o David Fonseca fez uma adaptação da música de Mónica Sintra, com um
arranjo a puxar para o rock n’ roll e com toda a letra em inglês. Não duvido
que muito boa gente tenha dito “Ah, que engraçado, deve ser um novo single”, até
começar a perceber que dizer After all there was another era o mesmo que
dizer Afinal havia outra. Afinal, não soa tão bem quanto isso, pois não?
Também já caímos no ridículo de
traduzir músicas inglesas para português, algo que esteve na moda nos anos
60/70, em que tudo o que era nacional era, efectivamente, bom – éramos, então, “orgulhosamente
sós”. Nessa altura, podíamos dar com a Simone de Oliveira a fazer as vezes do
Jacques Brel e do seu Ne me quittes pas, em versão Não me vás deixar, ou então
a aportuguesar o êxito da Música no Coração, My favourite things, cantando As
coisas de que eu gosto. Contudo, já na altura, havia uma corrente contrária,
que preferia expressar-se noutra língua. Os Sheiks, com elementos tão
portugueses quanto Paulo de Carvalho, Carlos Mendes, Fernando Chaby e Jorge
Barreto, são exemplo disso. Em 1965, altura em que o single Missing You fez
furor, eram chamados de “Beatles portugueses”, embora não dissessem uma única
palavra na língua de Camões.
Hoje em dia, a “luta” mantém-se e
os artistas continuam a fazer o que lhes apetece, já que o público não se
mostra particularmente selectivo no que diz respeito à escolha da língua. Bandas
como os Best Youth, We Trust, Noiserv, os já extintos Silence 4 e Wraygunn,
todas com letras em inglês, triunfam ao lado dos revisitados Ornatos
Violeta, peixe:avião, Diabo na Cruz, Virgem Suta e Os Pontos Negros, a cantar
na sua língua. Todos eles bem portugueses, todos eles com diferentes maneiras de
se expressar musicalmente.
Há ainda quem se encontre na
encruzilhada. Vejamos os The Gift, que se lançaram com Driving You Slow e agora
cantam Primavera na rádio, ou a estreante Luísa Sobral, que mistura canções em
inglês, como o primeiro single, Not There Yet, com outras em português, como
Xico, no seu álbum de estreia.
A desculpa que muitas vezes se
ouve por parte de quem decide cantar em inglês é a da ambição de uma carreira
internacional, argumento fraco se tivermos em atenção exemplos como os
Madredeus ou os Deolinda que, em 2010, foram considerados o grupo revelação
pela revista britânica Songlines.
A verdade é que não acho que
qualquer artista precise de uma desculpa ou justificação para cantar na língua
que lhe soar melhor. Se calhar preferia que todos se conseguissem expressar muito
bem em português e saíssem poemas lindíssimos na minha própria língua mas, não
sendo isso possível, não acho a alternativa, de modo algum, alarmante.
Se a música
é uma linguagem universal, contento-me em saber que é (bem) feita por cá, seja
em que língua for.
É assim mesmo, Sofia. Fala como um... livro aberto. Até porque Ingleses e Americanos também assim fazem, fartam-se de cantar em línguas estrangeiras. Olhe, a começar pelo português, que eles têm na ponta da... língua, talvez lhe ficasse do vinho do Porto, aliás Port wine. E não se ensaiam nada nem estão com pruridos de nacionalismos, cantam em qualquer idioma.
ResponderEliminarSigamos-lhe o exemplo também e sobretudo nisto.
O facto é que os ingleses e americanos não têm domínio de mais nenhuma língua a não ser a sua, enquanto os portugueses não só dominam o português como se expressam bem em inglês, arranham o espanhol e, por vezes, até se desenrascam em francês, italiano ou outra língua estrangeira.
EliminarAliás, não é totalmente verdade que os americanos, ingleses, australianos, etc, se ficam pela sua língua. Vejamos a Shakira, a Jennifer Lopez ou a Nelly Furtado, que fizeram álbuns quase inteiros em espanhol.
Seja como for o inglês é o predominante nestes países, não porque os seus habitantes são muito patriotas, mas porque não dominam mais língua nenhuma. Assim, continuo a achar desnecessário ficarmos presos criativamente no que diz respeito à língua por suposto patriotismo. Se fossemos por essa lógica, então também seria aconselhável que toda a gente tocasse guitarra portuguesa em vez de guitarra eléctrica e cavaquinho ao invés de violino.
- Sofia Livro Noronha