Todos os anos surge, pelo menos, uma mão cheia de canções que perpetuarão como aquelas de que ninguém se consegue esquecer e que gradualmente toda a gente aprendeu a odiar.
É seguro afirmar que é impossível que alguém em Portugal, por esta altura, ainda não tenha ouvido, pelo menos uma vez, músicas como Someone Like You, single de 21, segundo álbum de Adele, ou Anda Comigo Ver os Aviões, dos portugueses Os Azeitonas. Têm em comum o facto de, a uma dada altura, se terem propagado quase à mesma velocidade de um vírus: aparecem nas playlists das rádios, são usadas em segmentos televisivos, em anúncios, passam nas festas, em karaokes, são adaptadas por centenas de YouTubers até que, gradualmente, de humilde hit de um artista do qual antes até nem se ouvia falar, passam a ter o carimbo de insuportáveis.
E por que é que isto acontece? Ou melhor, como é que deixamos isto acontecer?
As músicas em questão nem são vazias de conteúdo ou pobres musicalmente. Não estão em discussão êxitos absurdos, como Dragostea Din Tei, dos moldavos O-Zone, que andou nas bocas do mundo no Verão de 2004, ou o mais recente Ai, se eu te pego, de Michel Teló. São todos seguidores fiéis da mesma fórmula: têm uma melodia dançável, que se decora à primeira audição, e uma letra simples, com pouco ou nenhum significado – não discutamos, por exemplo, a profundidade do “dialecto” inventado pelas Las Ketchup, cujo refrão era qualquer coisa como “Aserejé ja de je, de jebe tu de jebere seibiunouva majavi an de bugui an de güididípi”.
Independentemente da sua qualidade ou complexidade, todos estes êxitos acabam por cair no mesmo fundo poço de banalidade, e isso não é indiferente aos próprios artistas. Gotye já confessou estar farto do primeiro single de Making Mirrors, numa entrevista à revista NME. Somebody That I Used To Know propagou-se de tal modo que até deu origem a memes, que transformam uma letra que fala na amargura de uma separação violenta em problemas rotineiros, como estar preso no trânsito.
Os Pearl Jam também mostraram estar conscientes deste fenómeno quando, em 1992, recusaram tornar a muito conhecida Black, do álbum Ten, em single, com receio que esta perdesse o seu sentido.
Será que nos resta, então, aceitar que o que passa nas rádios está condenado a tornar-se, lentamente, num êxito “pastilha elástica”? E em que posição ficam os nossos artistas favoritos? Se, por um lado, queremos que tenham sucesso e entendemos o desconhecimento do trabalho dos mesmos por parte dos outros quase como um insulto ou tremenda falha cultural, por outro, tememos o seu sucesso, talvez por pensarmos que, se as nossas canções preferidas se tornarem do domínio público, perderão o sentido, aquele pequeno factor que fez com que nos identificássemos com elas e, por momentos, acreditássemos que falavam de nós.
Não é estranho, portanto, que pensemos que talvez o ideal seja um artista ser reconhecido… mas pouco. Ou talvez apenas selectivamente.
Se, a princípio, achava de um tremendo egoísmo ficar chateado porque a música de uma banda pouco conhecida estaria prestes a ganhar projecção graças a um blockbuster ou a um grande sucesso televisivo – lembro-me de ler sucessivos protestos relativos à inclusão de várias bandas indie na trilha sonora de Twilight ou à utilização de várias músicas menos conhecidas em Glee – hoje vejo-me obrigada a admitir, com amargura, que prefiro guardar algumas músicas só para mim, ainda que isso signifique que os meus artistas favoritos tenham de permanecer naquela etapa em que não são suficientemente grandes para se sentirem imortalizados nem de tal modo pequenos para não conseguirem viver da música.
É certo que não podemos ignorar que, no final de contas, a música é uma indústria que move milhões, mas também julgo ser injusto que se resuma a isso, ao ponto de tudo o que é comerciável ser tocado até a exaustão, até não sobrar mais nada para explorar.
No meio de toda esta máquina de produção, vídeos espectaculares, promoções dispendiosas e contratos milionários, restará ainda algum espaço para a autenticidade?
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