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sábado, 14 de julho de 2012

Controlo de Armas (ou: Fogo come fogo)

por Lostio

As armas têm sempre sido um elemento com uma conotação negativa, pois é imediata a associação entre armas e violência. Assim sendo, é natural que existam várias pessoas que defendam a ilegalização da posse de armas por cidadãos, tendendo à visão de que tal legislação será responsável por um aumento de violência.

No entanto, a posse de armas é legal, não só em Portugal, como também em vários outros países, e creio que seja apropriado analisar as razões a favor e contra, de modo a quebrar talvez alguns dos básicos estereótipos e abrir a mente quanto ao controlo de armas.

Ora, o principal argumento existente reprovador da disponibilização de armas é precisamente o de permitir uma propagação de violência, facilitar a realização de crimes armados e a geral sensação de perigo gerada. Suficientemente auto-explicativos e razoáveis, mas creio que estes são orientados pela associação básica “armas=violência” que deverá ser um pouco aprofundada tendo em conta os argumentos dos apoiantes desta legislação.

No que toca então ao lado inverso da moeda, o argumento-base que favorece a legalização da posse de armas é o direito do cidadão comum a se auto-defender. O facto é que, quer seja legal ou não, existirá crime e, mais concretamente, existirá crime realizado com armas de fogo. Assim sendo, não será minimamente justo que a Lei permita a que cada um se possa defender recorrendo ao mesmo elemento?

Pessoalmente, sou extremamente contra o recurso à violência, mas admito que existem casos em que ela é a única alternativa possível e em que se torna aceitável. Suponhamos os crimes viciosos de violação, homicídio, ou até assaltos à mão armada: se o criminoso se recusa a ouvir a razão, a vítima tem todo o direito de, dada a sua situação, se defender, recorrendo, se for preciso, à violência. A Lei assim o reconhece, e creio que seja compreensível.

Existem também vários dados que apoiam que a disponibilização de armas contribui para reduzir os crimes. Isto porque os criminosos sentir-se-ão mais intimidados em invadir casas ou violar pessoas sabendo que existe a possibilidade de se depararem perante um cidadão armado. “A oportunidade faz o ladrão”, como diz a boca proverbial, e o facto de os cidadãos estarem todos indefesos perante uma arma de fogo constitui uma grande motivação à realização dos crimes. Thomas Jefferson referia que “as leis que proíbem a posse de armas apenas desarmam aqueles que não estão inclinados nem determinados a cometer crimes”.

Há também um pormenor a destacar: a proibição de armas fortifica o Governo, e torna os cidadãos mais indefesos perante possíveis regimes totalitários. A confiscação de armas da população foi uma das medidas utilizadas na Itália fascista e na Alemanha nazi.

Assim, em suma, apesar de não apoiar o seu uso banal, admito a viabilidade de uma legislação que permita o uso de armas. Mas, dado o facto de serem objetos extremamente perigosos, que põem em risco a vida das pessoas, creio que se deverá focar bem as leis que controlam o seu uso e disponibilidade. Tal como está agora, dever-se-á manter um mínimo de idade (atualmente, 18 anos), realizar testes para confirmar a saúde física e mental do possuidor da arma, explorar o seu cadastro criminal, entre outros.

Apesar de armas apelarem à violência, apelam igualmente à capacidade de auto-defesa dos cidadãos, o que, paradoxalmente, acaba por se tornar num elemento importante para intimidar os criminosos e reduzir os crimes. Deste modo, posso dizer que compreendo e aprovo a legalização da posse de armas.


Este artigo foi escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico.

7 comentários:

  1. Lostio, gosto imenso dos temas que trazes a debate. Este em particular considero bastante interessante pelo facto de ser polémico e trazer incerteza na tomada de uma posição. Só a ideia de ter uma arma faz-me repulsa, mas compreendo que este seja um direito dos cidadãos, quando justificado pela segurança e protecção. Assim sendo, a solução, como tu referes, é a necessidade de existir uma legislação (na minha opinião, severa) sobre como e quem deve ter acesso a armas (e porquê). Não sei contudo até que ponto as armas contribuem de facto para reduzir os crimes - não conheço dados. A mim parece-me que de qualquer forma o porte privado de armas pouco regulamentado e sem controlo por parte das autoridades responsáveis pode levar a verdadeiras tragédias. Lembremo-nos por exemplo daqueles casos de adolescentes/estudantes que provocaram verdadeiros massacres em escolas e universidades.

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    1. Querida Ana Rita, muito obrigado pelo lisonjeador comentário. ;) Fico muito satisfeito por saber que os meus temas são apreciados, é precisamente a minha intenção levantar, na mente dos parceiros idestianos e leitores, questões sobre temas polémicos que tenham várias vertentes aparentemente lógicas e sensatas.

      Identifico-me perfeitamente com a tua repulsa pela posse de uma arma. Porém, após analisar ponderantemente este tema, cheguei à conclusão que é um direito que não podemos negar a quem o deseja, se for devidamente suportado por razões válidas como a auto-defesa.

      A legislação para o seu controle é algo que, concordo, deverá ser severa e rígida. Não excessivamente, ao ponto de a ilegalização do porte privado e a legalização extremamente controlada se confudirem, mas também não deverá ser, de modo algum, algo a encarar ao de leve. A visão de gente jovem e imatura, ou de pessoas com problemas de sanidade mental, terem liberdade para possuir e manejar uma arma à sua vontade é, no mínimo, preocupante.

      Confesso que foi um ligeiro descuido da minha parte não referir fontes quanto às minhas afirmações de que a permissão da posse individual de armas de fogo para proteção pessoal pode viavelmente ser vista como uma contribuição para reduzir crimes. No entanto, se estiveres verdadeiramente interessada em dados concretos, a maioria destas conclusões foram retiradas de estatísticas apresentadas no livro "More Guns, Less Crime" escrito pelo economista John Lott.

      Naturalmente que disponibilizar armas de modo não regulado é algo indesejável, e com potenciais catastróficos, mas os casos de adolescentes/estudantes que massacraram instituições de ensino são, tanto quanto eu saiba, casos muito particulares e incomuns. Já para não falar que existem vários destes em que a arma poderia igualmente ter sido obtida por via ilegal, se a intenção do estudante fosse suficientemente forte. Uma obtenção, por via legal, de uma arma de fogo, é geralmente direccionada a boas intenções, de segurança e protecção, pois um criminoso, não tendo problemas em desrespeitar a Lei, igualmente o faria para ficar na posse de uma arma.

      Mais uma vez, muitíssimo obrigado pelo comentário! Sempre que te sentires impulsionada a dizer mais alguma coisa, por favor fá-lo, que terei todo o gosto em ler e responder. :)

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    2. "More Guns, Less Crime",John Lott: tomei nota ;)
      obrigada e continua a disparar (passo a expressão haha) com estes temas dilemáticos!

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  2. É isso mesmo, Lostio. A arma de um homem é como que o prolongamento do seu membro viril: não se pode estar sem ela, e bem oleada.

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    1. xD lool Cara Ifigénia, amei a sua comparação!

      Parece-me que esta foi referida com um tom jocoso e irónico, mas, de qualquer modo, gostaria de esclarecer que definitivamente discordo da visão estereotípica de que uma arma de fogo constitui como que um símbolo de virilidade e masculinidade. Cedo à aprovação da legislação que permite o porte privado de armas apenas devido ao direito à auto-defesa. No entanto, sou pessoalmente contra o recurso à violência e apenas a sou capaz de admitir em casos onde esta é mesmo a única alternativa. ;)

      Muito obrigado pelo seu comentário! :) Espero voltar a ver comentários seus pelo blog.

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  3. Olá, Lostio.
    Começo desde já a dar-te os parabéns pelo trabalho de excelência que nos tens vindo a apresentar. Os temas que abordas são de extrema importância para o público em geral e faz falta mais debate e argumentação nos meios de comunicação sobre estes temas na minha opinião.
    Agora, quanto ao comentário ao tema:
    Compreendo igualmente o teu ponto de vista quanto à legalização de posse de armas de fogo e aparentemente se o sistema de legislação instaurado for rígido o suficiente para permitir que apenas pessoas sãs e sem registo criminal possuem armas e que as leis de utilização das mesmas sejam igualmente bem definidas e estruturadas não parece haver grandes barreiras em aprovar a lei. Mas, como se costuma dizer, as aparências iludem...como tal penso existir um grande problema, que salvo erro ninguém ainda referiu, que é o quão fácil será cometer um crime à mão armada e potencialmente sair impune. Ora, se se legalizar a posse de armas cada cidadão terá direito à sua própria arma e a mesma terá associado um número de série que será unívoco e identificará o proprietário da mesma. Assim sendo, hipoteticamente , uma mente mais aguçada poderá conjecturar um homicídio o qual seria cometido com uma arma pertencente, quem sabe, até mesmo ao vizinho. Isto levanta, a meu ver, um grave problema, pois o homicida teria mais chances de não ser incriminado. E,também, não podemos esquecer a possibilidade dos adolescentes e mesmo crianças terem acesso às armas pertencentes aos seus familiares mais próximos. Poder-se-ia argumentar que se a arma estiver num local seguro ao qual só o proprietário tiver acesso, que tal hipótese possa ser descartada. E eu respondo: uma mente motivada move montanhas. Além disso, não podemos deixar de considerar a eventual ocorrência de erro humano e a arma estar em locais de fácil acesso.

    Termino a minha exposição agradecendo a oportunidade de apresentar as minhas ideias e espero que mais temas igualmente controversos sejam alvo da tua análise.

    Abraço e vemos-nos brevemente ;)

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    1. Olá, troublex!

      Antes de mais, começo por agradecer as elogiosas palavras e pelo próprio comentário em si. É sempre agradável ser receber feedback quanto aos nossos artigos e, acima de tudo, conseguir despertar algum interesse nos nossos leitores em participar e discutir sobre os temas propostos. :-)

      Sim, os aspectos que referes não são, de todo, desprezáveis. A legislação formal e o modo como a população tira proveito dela são dois aspectos distintos, mas igualmente importantes na avaliação da eficácia dessa mesma legislação.

      Porém, não sei até que ponto os aspectos que mencionaste não são talvez um pouco mais generalizáveis e inclusive um próprio problema inerente à capacidade das entidades autoritárias em controlar de que modo as leis nacionais são cumpridas. Tens, por exemplo, as leis reguladoras do consumo de alcóol ou de tabaco, que, apesar de exigirem uma idade mínima de 18 anos, conseguem ser exploradas de diversas maneiras (ausência de um verdadeiro controlo nos estabelecimentos de venda dos produtos, adultos que compram e depois passam os mesmos às crianças...). Leis que conseguem ser indevidamente exploradas não são nada de novo, e as leis de controlo do porte privado de armas sofrerão do mesmo problema.

      Quanto aos casos que levantaste: A questão de permitir homícios planeados com armas pertencentes a outrem creio que não seria tão linear como dizes. Antes de mais, conseguir identificar o verdadeiro dono da arma do crime nunca é razão para automaticamente o determinar como o assassínio, torna-o apenas um possível suspeito. Ao longo da investigação, ele naturalmente diria que a arma teria sido roubada, e aí haveriam outros aspectos a analisar, tais como o álibi, determinação de motivo, provas adicionais, etc.

      O acesso mais fácil que a legalização das armas permitiria a pessoas que não deveriam ter acesso às mesmas é algo que, como indiquei no início, é generalizável a diversas leis controladoras. É algo difícil de contornar, e, nesta situação, tem consequências potencialmente fatais. Não deverá ser um assunto a desprezar, sem dúvida, mas a questão essencial põe-se: deverá este aspecto ser o suficiente para impedir que cidadãos, com todo o direito de se auto-defender, não tenham a capacidade de possuir armas para esse efeito? Qual deverá ser o factor mais forte?

      A meu ver, há um aspecto essencial a considerar: a intenção original da pessoa que não deveria ter acesso à arma. Se esta pessoa tiver motivações suficientemente fortes para realizar um crime à mão armada, seria de supor que arranjaria algum método de a obter, mesmo por via ilegal. Assim, estas legislações não impediria pelos menos alguns destes actos criminoso. Agora, acessos a armas por pessoas que não têm qualquer intenção em usá-la ou em fazer mal, mas que acabaram por as obter "sem querer" (crianças ou adolescentes que descobriram o esconderijo onde os pais as mantêm), podemos vir a supor que, sem nenhuma motivação original, em princípio estas pessoas não terão interesse em usá-la e apenas a arrumariam de volta. Agora, se ocorrer algum incidente infeliz (crianças sem maturidade suficiente, que a disparam sem querer, ou algo semelhante), aí naturalmente dever-se-á penalizar os donos da armas por descuidos no armazenamento da mesma.

      Assim, a meu ver, os incidentes que o porte privado de armas permitiria não me parece ser de um número suficientemente elevado para implementar medidas mais drásticas como a proibição absoluta do porte privado de armas. Temos é de ter um cuidado extremo quanto às leis que visam o seu controlo e distribuição, e as devidas medidas penalizadoras a quem mostrar descuidos no uso das mesmas.

      Novamente, muitíssimo obrigado pelo comentário! ;) Espero que continues a participar cá pelo id est, e que os artigos te despertem esse tipo de interesse e motivação para discutir os assuntos abordados.

      Abraço

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