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terça-feira, 10 de julho de 2012

Vender? Até o faço a cantar!



Terminei o último artigo (Cantar em português: a longa e inútil batalha) dizendo que a música é uma linguagem universal e, desta vez, é mesmo por aí que quero começar.

Apesar de ninguém se mostrar capaz de a definir com rigor e sem hesitações, este é um dos clichés adoptados pela maioria para descrever a nossa relação enquanto humanos com a música. Esta não só é fácil de partilhar como, muitas vezes, fica de tal modo incrustada na nossa memória ao ponto de darmos por nós a cantarolar alguma coisa inconscientemente. Muitas vezes nem nos apercebemos disso até que alguém nos diga: “Essa música outra vez? Andaste a assobiar isso o dia inteiro”.

Este modo de chegar às pessoas sem que tenham de fazer qualquer tipo de esforço, como concentrar a sua atenção num ecrã ou numa folha de papel para decifrar códigos, símbolos ou signos, torna a música numa forma de expressão extremamente atraente para o meio publicitário. Se prestarmos um pouco mais de atenção, conseguiremos ver que, mais do que um meio de expressão artística, a música é um poderoso modo de chegar às pessoas e de as convencer sem muitos argumentos.

Não duvido que os meninos e meninas dos anos 90 e seus respectivos educadores ainda conservem na memória a melodia simples e letra humilde do anúncio da Papa Cerelac, ou ainda se lembre de como dizer “bom dia com Mokambo”. Acredito também que, apesar de já ter meio século, muita gente ainda se lembre dos bonequinhos dançantes da Laranjina C. Arriscaria até a dizer que estas palavras chave foram o bastante para estas músicas já estarem a tocar na sua cabeça sem que para isso tenha de fazer qualquer tipo de exercício árduo.

É a acreditar neste automatismo que várias marcas investem fortunas em anúncios musicados, muitas vezes com melodias criadas de raiz, e atingem níveis cada vez mais altos de produção, na esperança de chegar facilmente ao seu público e perpetuar a sua mensagem. Um dos irritantes exemplos é o da campanha do Pingo Doce, que andou nas bocas, ouvidos e cabeças de toda a gente durante praticamente um ano. São poucos os que não conseguem trautear a viciante melodia de “Venha ao Pingo Doce de Janeiro a Janeiro…”, mesmo que não acredite naquilo que está a dizer ou não tenha sequer posto alguma vez os pés na superfície comercial. A Optimus tentou a mesma proeza com a sua nova campanha, lançada no Natal, que juntou todos para cantar All Together Now, ao som de uma melodia que torna fácil toda a gente acompanhar a letra, mesmo que não saiba falar inglês.

A Compal, por sua vez, viu na música a maneira perfeita de assinalar os 60 anos da marca. O spot publicitário, que entendo merecer o título de videoclip, juntou 50 pessoas e foi filmado em três dias, entre o Algarve, Sintra e Castelo Novo, numa campanha que, ao todo, usou 80% do orçamento anual de comunicação da Compal. A música gira à volta do conceito inventado pela Young and Rubicam, empresa publicitária da Compal, de “Frutologia” e leva os spots publicitários musicados a outro nível.


Existem ainda as marcas que preferem pagar direitos de autor e usar músicas nos seus anúncios que se tornam de tal modo ícones da marca que chegam a ser identificadas pelo grande público como “a música da marca x”. Vejamos, por exemplo, a one hit wonder dos Dandy Warhols, Bohemian Like You que, em 2002, serviu de banda sonora para os anúncios da Vodafone. A TMN é também mestre a “resgatar” músicas para os seus spots e a torná-las para sempre identificáveis com a marca. É o caso de I Can Talk, dos Two Door Cinema Club, que deu vida à campanha do Moche do Verão passado, e a mais recente Sail, dos Awolnation, que ajuda a introduzir ostensivamente a nova tecnologia 4G em Portugal.


Há ainda o caso da banda pop dinamarquesa, The Asteroids Galaxy Tour, cuja música, The Golden Age, ficou imortalizada no anúncio da Heineken, que ainda passa nas televisões portuguesas. Contudo, foi com Around the Bend que a banda conseguiu a internacionalização, num anúncio da Apple ao Ipod Touch que nunca chegou a passar em Portugal.


Nestes casos, pode estar aqui a chave para uma nova forma de promoção dos artistas, numa era em que são poucos os que continuam a investir na compra de CDs e em que se descobre música pelos mais variados meios, nomeadamente a televisão. É certo que dificilmente conseguiríamos estabelecer um meio de comparação entre as bandas e as rádios ou televisões, que sobrevivem praticamente só da publicidade que passam. Todavia, esta é uma situação em que igualmente ambas as partes têm algo a ganhar: os artistas ganham exposição e as marcas arranjam uma maneira muito directa e simples de fazer passar a sua mensagem.

Uma vez expostas, cabe às bandas aproveitar para mostrar que têm muito mais para oferecer do que trinta segundos de música que fica no ouvido. Estará a publicidade a abrir-lhes portas? Ou, no final de contas, estarão estas bandas condenadas a serem relembradas para sempre como as “acompanhantes de fundo” de um produto qualquer?

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