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terça-feira, 25 de setembro de 2012

Norah e a história dos corações partidos

por Sofia Livro Noronha

Com 33 anos e uma carreira de uma década na música invejável, a nova-iorquina Norah Jones continua a ser conhecida como a “voz doce do jazz”. Era, aliás, assim que a descreviam nas divulgações feitas ao concerto que marcou o seu regresso a Portugal, no passado Sábado. Pergunto-me se o título ainda lhe acenta como uma luva. Muito mudou em 10 anos e a menina de Come Away With Me já não é mesma.


O lançamento de Jones na indústria musical foi quase bom demais para ser verdade. O seu primeiro álbum de 2002, com o registo suave e calmo de jazz que a caracterizaria nos anos seguintes, não só lhe valeu 8 Grammys, entre os quais Música e Álbum do Ano, como a aclamação unânime do público e da crítica. Norah descreve-o carinhosamente como o seu “moody little record” (pequeno disco taciturno).


Estavam lançadas as bases para uma carreira de sucesso. Dois anos depois da sua grande estreia, Feels Like Home introduziu timidamente uma sonoridade country nas novas canções sem, no entanto, a desviar do estilo que a pôs nos ouvidos do mundo. A revista TIME chegou a incluí-la na sua lista de pessoas mais influentes do ano de 2004.

Com o lançamento de Not too late, em 2007, que entrou directamente para o primeiro lugar da Billboard, era já indiscutível que Norah Jones era um dos grandes nomes do jazz da actualidade. O seu lugar na música parecia sólido, definitivo e sem grandes percalços. Quase demasiado certinho. Era uma fórmula que funcionava e satisfazia o público. Ninguém esperava a mudança que se seguiu.

Com o lançamento de The Fall, em 2009, correu o burburinho de que a pureza imaculada da menina do jazz tinha sido manchada pela tentadora pop. O primeiro single, Chasing Pirates, introduzia algo que podia passar na rádio sem ser a horas tardias, num circuito comercial. Alguns torceram o nariz, outros ficaram mais calmos quando constataram que o resto do álbum não era assim tão diferente do que aquilo que ela já nos tinha mostrado ser capaz de fazer. Foi um “susto” curto.


Contudo, receio que o novo álbum não seja tranquilizador para aqueles que se apaixonaram por Norah em 2002 e preferiam que ela nunca mudasse. Dificilmente o descreveria como um álbum pop, mas era também com relutância que o associaria a jazz. Em Little Broken Hearts, Norah transformou a mágoa de um coração partido naquele que pode bem ser o seu álbum mais surpreendente desde que se apresentou ao mundo. Como constatou a Rolling Stone, “Even good girls need revenge sometimes” (Às vezes, até as meninas de bem precisam de vingança).

Um dos responsáveis por esta grande viragem é, sem dúvida, Brian Burton, mais conhecido por Danger Mouse, o produtor do álbum, que já tinha colaborado com Norah Jones em Black, tema que a cantora incluiu no repertório que apresentou no Campo Pequeno. O ambiente criado em Little Broken Hearts, por vezes enérgico, outras vezes soturno, dá uma volta ao estilo da sua música com o uso de sintetizadores, ecos, reverb e até leva Norah a substituir, muitas vezes, o piano pela guitarra eléctrica, a tornar mais proeminente a bateria e cria um nível de profundidade diferente que, arrisco a dizer, se inclina ligeiramente para a dream pop.



Good Morning, a música de abertura, transporta-nos lentamente para este novo universo de Jones. Convida-nos a fechar os olhos e a deixar-nos guiar pela sedutora voz que nos sussurra ao ouvido e nos previne, à partida, que esta não será uma história feliz (Our loving was all I was after/But you couldn’t give it/So I’m moving on). O reverb, o constante piano que nos acompanha e o eco que confere a esta abertura um sabor a viagem constituem o bilhete de entrada para as sonoridades inesperadas de Little Broken Hearts.


A viagem continua num tom mais negro, com She’s 22, 4 Broken Hearts e Miriam, testemunhas de histórias de traição, esperanças rompidas e até certos impulsos um pouco mais mórbidos de vingança sangrenta. Apesar de o mero pensamento de uma mulher furiosa, de coração partido e com sede de vingança causar arrepios e parecer carregar uma dose demasiado elevada de amargura, Jones confere-lhe um tom tão atraente que até a mais sangrenta desforra se torna doce aos nossos ouvidos.

O primeiro single é, no entanto, Happy Pills que, à semelhança de Say Goodbye, se faz acompanhar de uma batida pop que nos leva a questionar se esta é a mesma pessoa que cantou Those Sweet Words e Don’t Know Why. A solução de Norah para a espiral de desilusões da relação falhada é fugir ou, pelo menos, afastar-se o suficiente para que a felicidade não tenha de vir em comprimidos, daí o repetido apelo “Please just let me go now” e o eco da sua consciência, para se convencer a si própria: “I’m going to get you out of my head”.


Little Broken Hearts está muito longe de reunir a adoração unânime arrecadada nos primeiros álbuns de Jones, mas garanto que vale a pena dar-lhe uma oportunidade. Depois do choque inicial, aquilo que a princípio é cepticismo transforma-se numa surpresa muito agradável. Notei a resistência, por parte do público português que assistiu ao espectáculo de Sábado em relação a esta nova faceta. As antigas glórias eram indubitavelmente as mais aplaudidas, e o lugar de Jones ao piano bem mais apreciado do que a sua posição na guitarra. Contudo, não posso deixar de defender que este é o álbum que define finalmente Norah Jones como uma artista incomparável. Cinco álbuns depois, Jones conquistou o seu lugar único na música e pode, enfim, recusar comparações. Este é um novo caminho que ilustra uma reinvenção corajosa de si própria que acompanho com curiosidade e fascínio. Norah ainda lá está, na melancolia, nas incertezas e até na doçura, mas cresceu…e vale a pena ver o quanto!

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