Com 33 anos e uma carreira de uma
década na música invejável, a nova-iorquina Norah Jones continua a ser
conhecida como a “voz doce do jazz”. Era, aliás, assim que a descreviam nas
divulgações feitas ao concerto que marcou o seu regresso a Portugal, no passado
Sábado. Pergunto-me se o título ainda lhe acenta como uma luva. Muito mudou em
10 anos e a menina de Come Away With Me
já não é mesma.
O lançamento de Jones na indústria
musical foi quase bom demais para ser verdade. O seu primeiro álbum de 2002,
com o registo suave e calmo de jazz que a caracterizaria nos anos seguintes, não
só lhe valeu 8 Grammys, entre os quais Música e Álbum do Ano, como a aclamação unânime
do público e da crítica. Norah descreve-o carinhosamente como o seu “moody
little record” (pequeno disco taciturno).
Estavam lançadas as bases para
uma carreira de sucesso. Dois anos depois da sua grande estreia, Feels Like Home introduziu timidamente
uma sonoridade country nas novas canções sem, no entanto, a desviar do estilo
que a pôs nos ouvidos do mundo. A revista TIME chegou a incluí-la na sua lista
de pessoas mais influentes do ano de 2004.
Com o lançamento de Not too late, em 2007, que entrou
directamente para o primeiro lugar da Billboard, era já indiscutível que Norah
Jones era um dos grandes nomes do jazz da actualidade. O seu lugar na música
parecia sólido, definitivo e sem grandes percalços. Quase demasiado certinho.
Era uma fórmula que funcionava e satisfazia o público. Ninguém esperava a
mudança que se seguiu.
Com o lançamento de The Fall, em 2009, correu o burburinho de
que a pureza imaculada da menina do jazz tinha sido manchada pela tentadora
pop. O primeiro single, Chasing Pirates,
introduzia algo que podia passar na rádio sem ser a horas tardias, num circuito
comercial. Alguns torceram o nariz, outros ficaram mais calmos quando
constataram que o resto do álbum não era assim tão diferente do que aquilo que
ela já nos tinha mostrado ser capaz de fazer. Foi um “susto” curto.
Contudo, receio que o novo álbum
não seja tranquilizador para aqueles que se apaixonaram por Norah em 2002 e
preferiam que ela nunca mudasse. Dificilmente o descreveria como um álbum pop,
mas era também com relutância que o associaria a jazz. Em Little Broken Hearts, Norah transformou a mágoa de um coração
partido naquele que pode bem ser o seu álbum mais surpreendente desde que se
apresentou ao mundo. Como constatou a Rolling Stone, “Even good girls need revenge sometimes” (Às vezes, até as meninas
de bem precisam de vingança).
Um dos responsáveis por esta
grande viragem é, sem dúvida, Brian Burton, mais conhecido por Danger Mouse, o
produtor do álbum, que já tinha colaborado com Norah Jones em Black, tema que a cantora incluiu no
repertório que apresentou no Campo Pequeno. O ambiente criado em Little Broken Hearts, por vezes enérgico,
outras vezes soturno, dá uma volta ao estilo da sua música com o uso de
sintetizadores, ecos, reverb e até
leva Norah a substituir, muitas vezes, o piano pela guitarra eléctrica, a
tornar mais proeminente a bateria e cria um nível de profundidade diferente
que, arrisco a dizer, se inclina ligeiramente para a dream pop.
Good Morning, a música de abertura, transporta-nos lentamente para
este novo universo de Jones. Convida-nos a fechar os olhos e a deixar-nos guiar
pela sedutora voz que nos sussurra ao ouvido e nos previne, à partida, que esta
não será uma história feliz (Our loving
was all I was after/But you couldn’t give it/So I’m moving on). O reverb, o constante piano que nos
acompanha e o eco que confere a esta abertura um sabor a viagem constituem o
bilhete de entrada para as sonoridades inesperadas de Little Broken Hearts.
A viagem continua num tom mais
negro, com She’s 22, 4 Broken Hearts e Miriam, testemunhas de histórias de traição, esperanças rompidas e
até certos impulsos um pouco mais mórbidos de vingança sangrenta. Apesar de o
mero pensamento de uma mulher furiosa, de coração partido e com sede de vingança
causar arrepios e parecer carregar uma dose demasiado elevada de amargura,
Jones confere-lhe um tom tão atraente que até a mais sangrenta desforra se
torna doce aos nossos ouvidos.
O primeiro single é, no entanto, Happy Pills que, à semelhança de Say Goodbye, se faz acompanhar de uma
batida pop que nos leva a questionar se esta é a mesma pessoa que cantou Those Sweet Words e Don’t Know Why. A solução de Norah para a espiral de desilusões da
relação falhada é fugir ou, pelo menos, afastar-se o suficiente para que a
felicidade não tenha de vir em comprimidos, daí o repetido apelo “Please just let me go now” e o eco da
sua consciência, para se convencer a si própria: “I’m going to get you out of my head”.
Little Broken Hearts está muito longe de reunir a adoração unânime
arrecadada nos primeiros álbuns de Jones, mas garanto que vale a pena dar-lhe
uma oportunidade. Depois do choque inicial, aquilo que a princípio é cepticismo
transforma-se numa surpresa muito agradável. Notei a resistência, por parte do
público português que assistiu ao espectáculo de Sábado em relação a esta nova
faceta. As antigas glórias eram indubitavelmente as mais aplaudidas, e o lugar
de Jones ao piano bem mais apreciado do que a sua posição na guitarra. Contudo,
não posso deixar de defender que este é o álbum que define finalmente Norah
Jones como uma artista incomparável. Cinco álbuns depois, Jones conquistou o
seu lugar único na música e pode, enfim, recusar comparações. Este é um novo caminho
que ilustra uma reinvenção corajosa de si própria que acompanho com curiosidade
e fascínio. Norah ainda lá está, na melancolia, nas incertezas e até na doçura,
mas cresceu…e vale a pena ver o quanto!
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