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quinta-feira, 7 de março de 2013

On the Heart, by Wildlife


por Rodrigo Sá




Já ouviram música com o corpo todo? Sim, com o corpo todo. Nunca pensaram nesta hipótese? Em situações normais, o ouvido é o órgão que ouve, pois esta é a parte que reage aos impulsos sonoros.
Em situações normais, dizia eu. Mas as situações normais não incluem ouvir ...On The Heart, o segundo álbum dos canadianos Wildlife.

De Toronto chega um dos álbuns mais emocionantes deste início de ano. Um álbum que mexe com o corpo todo. Ouçam-no. Começa com If It Breaks, uma canção de introdução ao álbum. Mais uma vez, em regime de excepção, uma introdução que dura 2 minutos e 22 segundos. Começa de facto pelo órgão central do corpo humano. Sintetizadores, sons de órgãos eléctricos, outros efeitos sonoros, e finalmente algo mais natural e orgânico como uma guitarra acústica. Sempre em pulsação moderada. Pelo meio a voz de Dean Povinsky em tom celestial, if it breaks, I’ll give it back. É prova de que os Wildlife estão aí novamente para nos tratar bem. E tal tratamento é dirigido a quem ouvir este álbum. Por isso, ouçam-no. Já tinha dito, não já? Adiante.

Born To Ruin, a segunda faixa do álbum, uma canção excelente para uma sessão de levitação, relembra-nos que apesar de a destruição dos valores humanos ser bem mais fácil do que força da razão, este álbum existe para sentirmos o bom da vida. E a vida começa com o bater do coração.
Bad Dream não é própria para corações fracos. Melhor dizendo, esta não é uma canção para ajudar ao batimento cardíaco. Aqui, principalmente ao ouvir a introdução da canção, a batida cardíaca incorre no grave risco de passar a explosão. Por mais pequeno que seja o coração, ao ouvir Bad Dream, o peito torna-se pequeno demais para suportar tal reacção de dilatação cardíaca.



One For The Body é a ajuda que precisávamos para libertar o sufoco de tanta excitação. Se até aqui o mais insensível ouvido, se tinha ficado pelas reacções auditivas e cardíacas, o ritmo frenético das guitarras, bateria e voz (claro também o baixo, o tal instrumento que provoca convulsões muito saudáveis no peito e estômago) infecta o resto do corpo, e ficamos com a certeza de que ...On The Heart não é apenas para se ouvir com os ouvidos e coração, mas sim com todo o corpo. Ouçamos então com o corpo todo. A partir de agora, o corpo humano é um imenso órgão auditivo. Cada cartilagem, cada nervo, músculo ou centímetro cúbico por onde passa o sangue, passa a ser um imenso órgão que reage aos impulsos sonoros.

Don’t Fear é uma canção de amor. Estranha canção vinda dos Wildlife, banda cujo vocalista prefere registos agudos (Alec Ounsworth, vocalista dos Clap You Hands Say Yeah, será a melhor referência que vos possa dar). Mas Don’t Fear é na realidade uma canção de pulsação moderada, em que a voz de Dean Povinsky se contrai num lamento aflitivo. Aí está a beleza da canção. Tal como uma boa actriz de telenovela, em que a cena mais parva, mais banal, mais melosa é interpretada de forma a que nós próprios sentimos a sua dor. Neste caso, não é que Don’t Fear seja parva, banal, melosa, longe disso, a canção acaba em tom quase de profecia.


(Arrythmia). Era o que faltava. Depois de tanta exaltação, alterações de ritmo cardíaco, vibrações corporais. Uma arritmia. Felizmente são só 59 segundos de alguns acordes no sintetizador. Quase insignificante, mas na realidade são a passagem perfeita entre a quinta e sétima faixa do álbum.
Dangerous Times chega depois de alguns minutos de calma, e faz-me pensar em movimento popular nas ruas. Não propriamente pelo título da canção, mas pelo facto de que a própria canção é construída em tom de instigação ao ajuntamento e manifestação popular. Canção para um estádio cheio. Vá lá, tendo em conta a falta de um contrato milionário dos Wildlife, pensemos apenas numa discoteca cheia em que toda a gente decide em histeria levantar as mãos e dançar mais com os braços no ar, do que propriamente da cintura para baixo.

Guillotine, é isso mesmo. Uma guilhotina. Uma machadada. Uma potente descarga de emoções. Mais uma canção para se ouvir e reagir em grupo.

Bonnie começa com uma guitarra acústica, e paira no ar a sensação de uma canção dos Queen. A verdade é que esta é uma das canções com um dos arranjos mais completos do álbum. Com variações de ritmo, esta é mais uma canção muito saudável. Ajuda o corpo todo a ser o nosso órgão auditivo.
(Pulse) para nos lembrar que afinal de contas tudo começa no coração. 44 segundos de sons metálicos, sintetizados, harmonias distorcidas para introduzir mais um momento muito diferente na música dos Wildlife.

Lightning Tent é novamente uma canção sem os tais tons agudos e intensidades vocais sentidas noutras canções de mais rápida batida. Apesar disto, não deixa de ser uma daquelas canções que atinge o corpo, como o sangue. Um refrão de fazer saltar um estádio inteiro (ou a tal discoteca, mas com a mesma reacção imediata e impulsiva).

Two Hearts Race é uma estranha forma de fechar o álbum. Ou talvez não, tendo em conta que é de facto uma canção que anuncia o fim. E não há nada a fazer. Numa corrida a dois, os dois ganham. E esta corrida é ganha pelos Wildlife, porque atiram-nos com uma descarga formidável de emoções com este ...On The Heart, e ganhamos nós também porque acabamos de experimentar aquilo que alguns proibiriam por provocar sensações que se aproximam perigosamente das reacções a substâncias hipnóticas.

...On The Heart, pelos Wildlife, é um álbum para se ouvir com o corpo todo. Ouçam-no.

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