por Rodrigo Sá
Já ouviram música com o corpo todo? Sim,
com o corpo todo. Nunca pensaram nesta hipótese? Em situações normais, o ouvido
é o órgão que ouve, pois esta é a parte que reage aos impulsos sonoros.
Em situações normais, dizia eu. Mas as
situações normais não incluem ouvir ...On
The Heart, o segundo álbum dos canadianos Wildlife.
De Toronto chega um dos álbuns mais
emocionantes deste início de ano. Um álbum que mexe com o corpo todo. Ouçam-no.
Começa com If It Breaks, uma canção de
introdução ao álbum. Mais uma vez, em regime de excepção, uma introdução que
dura 2 minutos e 22 segundos. Começa de facto pelo órgão central do corpo
humano. Sintetizadores, sons de órgãos eléctricos, outros efeitos sonoros, e
finalmente algo mais natural e orgânico como uma guitarra acústica. Sempre em
pulsação moderada. Pelo meio a voz de Dean Povinsky em tom celestial, if it breaks, I’ll give it back. É prova
de que os Wildlife estão aí novamente para nos tratar bem. E tal tratamento é
dirigido a quem ouvir este álbum. Por isso, ouçam-no. Já tinha dito, não já?
Adiante.
Born
To Ruin, a segunda faixa
do álbum, uma canção excelente para uma sessão de levitação, relembra-nos que
apesar de a destruição dos valores humanos ser bem mais fácil do que força da
razão, este álbum existe para sentirmos o bom da vida. E a vida começa com o
bater do coração.
Bad
Dream não é própria para
corações fracos. Melhor dizendo, esta não é uma canção para ajudar ao batimento
cardíaco. Aqui, principalmente ao ouvir a introdução da canção, a batida
cardíaca incorre no grave risco de passar a explosão. Por mais pequeno que seja
o coração, ao ouvir Bad Dream, o
peito torna-se pequeno demais para suportar tal reacção de dilatação cardíaca.
One
For The Body é a ajuda
que precisávamos para libertar o sufoco de tanta excitação. Se até aqui o mais
insensível ouvido, se tinha ficado pelas reacções auditivas e cardíacas, o
ritmo frenético das guitarras, bateria e voz (claro também o baixo, o tal
instrumento que provoca convulsões muito saudáveis no peito e estômago) infecta
o resto do corpo, e ficamos com a certeza de que ...On The Heart não é apenas para se ouvir com os ouvidos e
coração, mas sim com todo o corpo. Ouçamos então com o corpo todo. A partir de
agora, o corpo humano é um imenso órgão auditivo. Cada cartilagem, cada nervo,
músculo ou centímetro cúbico por onde passa o sangue, passa a ser um imenso
órgão que reage aos impulsos sonoros.
Don’t
Fear é uma canção de
amor. Estranha canção vinda dos Wildlife, banda cujo vocalista prefere registos
agudos (Alec Ounsworth, vocalista dos Clap You Hands Say Yeah, será a melhor
referência que vos possa dar). Mas Don’t
Fear é na realidade uma canção de pulsação moderada, em que a voz de Dean
Povinsky se contrai num lamento aflitivo. Aí está a beleza da canção. Tal como
uma boa actriz de telenovela, em que a cena mais parva, mais banal, mais melosa
é interpretada de forma a que nós próprios sentimos a sua dor. Neste caso, não
é que Don’t Fear seja parva, banal,
melosa, longe disso, a canção acaba em tom quase de profecia.
(Arrythmia). Era o que faltava. Depois de tanta
exaltação, alterações de ritmo cardíaco, vibrações corporais. Uma arritmia.
Felizmente são só 59 segundos de alguns acordes no sintetizador. Quase
insignificante, mas na realidade são a passagem perfeita entre a quinta e
sétima faixa do álbum.
Dangerous
Times chega depois de
alguns minutos de calma, e faz-me pensar em movimento popular nas ruas. Não
propriamente pelo título da canção, mas pelo facto de que a própria canção é
construída em tom de instigação ao ajuntamento e manifestação popular. Canção
para um estádio cheio. Vá lá, tendo em conta a falta de um contrato milionário
dos Wildlife, pensemos apenas numa discoteca cheia em que toda a gente decide
em histeria levantar as mãos e dançar mais com os braços no ar, do que
propriamente da cintura para baixo.
Guillotine, é isso mesmo. Uma guilhotina. Uma
machadada. Uma potente descarga de emoções. Mais uma canção para se ouvir e
reagir em grupo.
Bonnie
começa com uma guitarra
acústica, e paira no ar a sensação de uma canção dos Queen. A verdade é que
esta é uma das canções com um dos arranjos mais completos do álbum. Com
variações de ritmo, esta é mais uma canção muito saudável. Ajuda o corpo todo a
ser o nosso órgão auditivo.
(Pulse) para nos lembrar que afinal de contas
tudo começa no coração. 44 segundos de sons metálicos, sintetizados, harmonias
distorcidas para introduzir mais um momento muito diferente na música dos
Wildlife.
Lightning
Tent é novamente uma
canção sem os tais tons agudos e intensidades vocais sentidas noutras canções
de mais rápida batida. Apesar disto, não deixa de ser uma daquelas canções que
atinge o corpo, como o sangue. Um refrão de fazer saltar um estádio inteiro (ou
a tal discoteca, mas com a mesma reacção imediata e impulsiva).
Two
Hearts Race é uma
estranha forma de fechar o álbum. Ou talvez não, tendo em conta que é de facto
uma canção que anuncia o fim. E não há nada a fazer. Numa corrida a dois, os
dois ganham. E esta corrida é ganha pelos Wildlife, porque atiram-nos com uma
descarga formidável de emoções com este ...On
The Heart, e ganhamos nós também porque acabamos de experimentar aquilo que
alguns proibiriam por provocar sensações que se aproximam perigosamente das
reacções a substâncias hipnóticas.
...On
The Heart, pelos
Wildlife, é um álbum para se ouvir com o corpo todo. Ouçam-no.
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